Fredegunda, a sanguinária rainha franca

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

No Reino Franco, durante a Dinastia Merovíngia (481-751), fundada por Clóvis I, as intrigas e a violência marcaram e tumultuaram a integridade da própria linhagem real, pois as disputas pelo poder e privilégios sucessórios promoveram um verdadeiro estado de guerra familiar repleto de tramas de traição e assassinatos. No século VI o reino estava dividido em três regiões governadas pela linhagem merovíngia em situação de constante conflito: Nêustria (norte e oeste da atual França),  Austrásia (partes do que hoje são a França oriental, Alemanha ocidental, Bélgica e Países Baixos) e Borgonha (áreas da atual França e Suíça). Durante esse contexto viveu a rainha Fredegunda, que se tornou uma das mulheres mais infames da Idade Média, lembrada por sua ambição sem limites e capacidade de praticar os atos mais vis e mortíferos para manter o seu status, defender seus interesses e obter os seus objetivos relativos ao poder, tal qual os homens diante dos mesmos propósitos que acabaram sendo notabilizados sem o mesmo julgamento a respeito de suas reputações através dos séculos.

Fredegunda nasceu por volta de 445 e não era procedente na nobreza. Ela foi serva de Quilperico I, rei da Nêustria, no seu palácio em Soissons, capital do reino que tinha ainda as cidades de Paris e Rouen como importantes centros urbanos. Em 566 ela iniciou um romance com o monarca e o relacionamento tornou-se sério ao ponto de Quilperico desprezar sua própria rainha, Audovera, que foi enviada para um convento com o objetivo de possibilitar um novo matrimônio. Para a frustração de Fredegunda, Quilperico preferiu realizar um casamento político com Galsuinda, filha do rei visigodo Atanagildo, no entanto, a nova rainha pode ter sido a primeira vítima fatal da determinação de Fredegunda, pois foi encontrada morta por estrangulamento em condições muito suspeitas. Após o crime, Quilperico finalmente se casou com sua amante, que passou a ser a rainha consorte da Nêustria.  

A ascensão de Fredegunda não acalmou sua ânsia por poder. Ela teve 6 filhos com Chilperico, mas somente os últimos, Rigunda e Clotário II, atingiram a idade adulta. A rainha estava disposta a tudo para garantir o trono para o príncipe Clotário e articulou a eliminação de membros da realeza que considerava ameaças aos seus planos. Ela ordenou as mortes de seus enteados, filhos de Quilperico com sua primeira esposa Audovera, e do cunhado Sigeberto I, rei da Austrásia e oponente que já havia tentado enfraquecer a autoridade do irmão. Em 854, quando Quilperico morreu em 584 apunhalado perto de Paris, a própria esposa pode ter sido suspeita de ser a mandante do crime, embora ele tivesse muitos inimigos declarados. De qualquer forma, o assassinato colocou Fredegunda em evidência e sua primeira providência foi fugir para Paris em busca de abrigo contra conspiradores, pois seu filho era o único sucessor legítimo ao trono. Com apoio de Guntram, cunhado e rei da Borgonha, ela conseguiu garantir a coroação de Clotário II como rei e assumiu a regência em seu nome. 

No decorrer de sua regência, de 584 até 597, ela superou uma guerra civil, enfrentou o reino da Austrásia e conseguiu estabelecer uma administração eficiente, embora marcada pela brutalidade. Seus rivais conheceram a desgraça e a morte, pois ela assegurou os seus assassinatos. Nobres conspiradores foram executados, o Bispo de Rouen foi assassinado por defender a facção rebelde. Uma relação especialmente tensa envolveu sua principal inimiga, a rainha Brunilda da Austrásia. A rival já tinha motivos para odiar Fredegunda, pois ela era irmã de Galsuinda, esposa assassinada de Quilperico I e viúva do assassinado Sigeberto I. Fredegunda e Brunilda protagonizaram uma das rivalidades mais marcantes da Idade Média, manifestada através de conflitos sangrentos que deixaram inúmeras vítimas.

Pessoa de temperamento colérico, Fredegunda chegou a tentar matar a própria filha Rigunda durante uma discussão, sendo impedida por servos presentes na ocasião. Críticos como Gregório de Tours descreveram a rainha como uma figura imprevisível e sádica que não media esforços para ter suas vontades atendidas, inspirando medo entre seus contemporâneos. Sua firmeza acabou garantindo o trono do filho, mas ela morreu em 597 antes de ver Clotário II se tornar um adulto, derrotar Brunilda e unificar os reinos francos sob seu comando.


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