O soldado francês de origens modestas que virou rei da Suécia e Noruega

(Representação visual gerada por IA)

A vida de Jean-Baptiste Bernadotte foi surpreendente e seu destino percorreu caminhos improváveis. Ele nasceu em condições modestas na França, foi um soldado durante a Revolução Francesa e ascendeu sob o comando de Napoleão Bonaparte, foi eleito rei pelos suecos e lutou contra seu país natal defendendo, transitando da causa iluminista para a defesa do Antigo Regime.  

Nascido em 1763 na cidade de Pau, no sudoeste francês, era filho do advogado Jean Henri Bernadotte e de Jeanne de Saint-Jean. Apesar de seu pai ser um ativo profissional jurídico do serviço público, o salário que recebia era insuficiente para proporcionar as melhores condições para sua família, que viveu dificuldades após sua morte em 1780. Diante da precariedade financeira, o jovem Jean-Baptiste precisou abandonar sua já iniciada preparação jurídica para se alistar no exército em busca de sustento e independência. Servindo no regimento Royal–La Marine do Exército Terrestre, especialmente dedicado à proteção portuária, ele atuou como granadeiro e foi promovido a cabo em 1785, mas a eclosão da Revolução impulsionou o curso de sua carreira. Ele abraçou as causas revolucionárias e lutou nas frentes que defendiam o país das reações estrangeiras e sua dedicação foi reconhecida quando o novo governo aboliu os critérios de classe para ascensão militar, então ele logo atingiu postos de oficial até ser nomeado general em 1794, aos 31 anos. Em 1804, sob o governo de Napoleão Bonaparte, com quem atuou anteriormente em campanhas militares, ele foi nomeado Marechal do Império, uma distinção que ressaltava seu comprometimento e habilidade como liderança do exército. 

Sendo homens de fortes convicções e personalidades marcantes, Bernadotte e Napoleão tinham um relacionamento conturbado, marcado por divergências em relação a variados posicionamentos. O marechal não concordou com o uso do exército para a aplicação do Golpe de 18 de Brumário (1799) e seguiu agindo com certa independência e até insubordinação. Durante a Batalha de Wagram (5 a 6 de julho de 1809), na Áustria, Bernadotte exerceu a função de comandante do IX Corpo de Exército, composto principalmente por soldados saxões, e agiu por conta própria ao ordenar uma retirada da cidade de Aderklaa e, além disso, o imperador (e outros comandantes) questionaram a eficiência da força comandada pelo marechal. Depois de uma repreensão pública e da manifestação crítica Bernadotte, ele foi destituído do comando.

Enquanto sua posição no exército francês estava comprometida, a situação mudou de maneira inesperada graças a uma decisão improvável tomada pela elite sueca no ano seguinte. Durante as Guerras Napoleônicas, Bernardotte liderou tropas que enfrentaram a Suécia em 1806 e 1807, quando o país liderou a Quarta Coalizão contra a França. Na ocupação francesa do território inimigo, o marechal não foi hostil e adotou uma postura considerada respeitosa, incluindo a adoção de um tratamento digno aos prisioneiros de guerra, postura que conquistou a admiração dos suecos que reconheceram as virtudes diplomáticas do comandante francês. Depois disso, o prestígio de Bernardotte ficou tão elevado que seu nome surgiu como opção de sucessor estrangeiro para assumir o trono da Suécia, pois o rei Carlos XIII era um homem idoso e sem herdeiros. A escolha de um líder francês para o trono tinha ainda propósitos estratégicos de retomar territórios perdidos com o apoio de uma nova aliança militar e diplomática, então a solução de nomear Bernardotte foi aceita e ele foi eleito pelo Riksdag, o parlamento sueco. O próprio Napoleão resolveu apoiar a decisão e liberou seu comandado das obrigações com o exército e de sua condição de súdito francês. 

Na Suécia, ele adotou o nome de Carlos João (Karl Johan) e passou a integrar a corte como príncipe herdeiro, passando por um intenso processo de preparação enquanto já assumia responsabilidades políticas, militares e diplomáticas. O francês herdeiro da Suécia precisou realinhar sua lealdade e em 1812 aderiu à Sexta Coalizão contra a França, explorando seu conhecimento sobre o oponente, ele liderou o Exército do Norte contra seus antigos compatriotas e derrotou as forças de Napoleão na Batalha de Leipzig, em outubro de 1813. Como parte dos acordos para apoiar a Coalizão, a estratégia sueca envolvia também anexar a Noruega, então o príncipe-comandante também invadiu a Dinamarca para forçar a assinatura do Tratado de Kiel (1814), que garantiu aos suecos o controle político do território norueguês. 

Sua coroação como rei Carlos XIV João da Suécia ocorreu finalmente em 1818. Como governante ele adotou a postura de buscar a neutralidade internacional para evitar novos conflitos e implementou medidas para estabilizar seus reinos e para proporcionar avanços econômicos através de investimentos infraestruturais. Apesar de sua experiência revolucionária na França, resolveu assumir uma postura conservadora depois de se tornar rei, buscando garantir a ordem social e impedir os avanços liberais sob seu reinado. Ele buscou reforçar os poderes da coroa para fortalecer sua autoridade tanto na Suécia quanto na Noruega, onde enfrentou a resistência do Storting (parlamento norueguês) e precisou recuar. 

Carlos XIV João da Suécia era casado com a francesa Désirée Clary desde 1798, mas sua rainha não se adaptou muito bem à corte sueca e passava longos períodos em Paris. Eles tiveram apenas um filho em 1799, que precisou ser educado para se tornar o tornou o príncipe herdeiro e posteriormente ser coroado como o rei Oscar I para continuar a nova dinastia.  O francês de origens modestas que virou rei da Suécia e Noruega morreu em 1844, aos 81 anos de idade após 26 anos de reinado.


Referências:

2 comentários

Os comentários estão fechados.