George Psalmanazar, um enganador europeu que passou por nativo asiático no séxulo XVIII

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Durante o século XVIII, a veiculação de conhecimentos gerais sobre lugares distantes dos grandes centros europeus era precária e, apesar da já adiantada experiência com a colonização e dos contatos cada vez mais comuns com terras distantes, o que se sabia sobre povos e culturas “exóticas” de determinadas regiões asiáticas era caracterizado por informações repletas de interpretações exageradas ou até mesmo cheias de elementos fantasiosos. Apesar disso, a curiosidade a respeito dos “mistérios do Oriente” fascinava um público que não se cansava de narrativas intrigantes sobre experiências extremas, cenários incomuns e criaturas estranhas, além de povos e hábitos considerados extravagantes ou pitorescos. Aproveitando-se desta fascinação pelo desconhecido, não faltaram aqueles que apareciam na Europa difundindo histórias de aventuras e apresentando descrições chocantes e chamativas sobre estas partes do mundo, mas muitas coisas que acabaram agradando aos curiosos foram frutos de elaboradas mentiras. Farsantes resolveram tirar proveito do desejo de descobertas e credulidade do público para obter vantagens pessoais e um dos mais conhecidos deles foi o francês George Psalmanazar, que se passou por um nativo de Formosa (atual Taiwan). 

Não se sabe exatamente onde e quando ele nasceu, inclusive a verdadeira identidade do farsante era desconhecida, mas foi deduzido que ele era do sul da França por causa do sotaque e que nasceu até o final da década de 1670. Posteriormente ele reconheceu que recebeu educação por parte de jesuítas e que aprendeu latim e teologia em sua rigorosa formação religiosa. Na adolescência ele abandonou a instituição religiosa para levar uma vida errante e aventureira às margens da lei. Ainda na França ele adotou uma identidade falsa e se passou por um estudante irlandês a caminho de Roma, explorando a falsa condição de peregrino para obter abrigo e alimentação de graça, mas essa mentira só durou até se deparar com pessoas que realmente conheciam a Irlanda. De lá, ele foi parar na Alemanha para continuar aplicando pequenos golpes e durante a estadia alemã encontrou um comparsa que reconheceu seu talento para ludibriar as pessoas. Juntos, eles elaboraram a ideia de fazer de George se passar por um viajante asiático pagão que aceitou a fé cristã e conseguiu angariar doações e receber a hospitalidade daqueles que caíram no golpe. Com o passar do tempo, o vigarista foi aperfeiçoando o personagem, elaborando cada vez mais elementos em torno de sua falsa história de vida e forjando um cenário sensacionalista sobre sua alegada terra natal e sobre os costumes de seu falso povo.

Apesar de sua aparência como homem loiro e de olhos azuis, ele perambulou pela Alemanha e Países Baixos se passando por asiático enquanto vendia artigos nativos falsos, realizando traduções inventadas e até dando aulas sobre Formosa e suas tradições forjadas. Quando estava mais preparado e experiente resolveu partir para a Inglaterra, em 1703, onde acabou fazendo relativo sucesso. Se apresentando como George Psalmanazar, ele atraiu um público interessado em suas diversas histórias. George era visto usando trajes incomuns e chamativos, falava o idioma “formosiano” que inventou juntamente com uma escrita e compartilhava com os interessados um conjunto impressionante de histórias sobre sua região. Ele chegou a publicar o livro “An Historical and Geographical Description of Formosa”​ (“Uma Descrição Histórica e Geográfica de Formosa”), que continha um minucioso conjunto de fatos, registros de costumes e cenários naturais que ele inventou. Até a prestigiada Royal Society, entidade de cientistas e intelectuais, deu espaço para palestras do visitante, que impressionou as pessoas falando dos rituais religiosos e do canibalismo praticado em Formosa. Os patrocinadores e personalidades da alta sociedade resolveram investir no estrangeiro, que passou a contar com mais fontes para se manter através de suas mentiras. 

O golpe se sustentou até 1706, apesar dos insistentes alertas dos céticos e de missionários jesuítas. Além disso, inconsistências em suas informações também eram denunciadas pelos mais atentos e finalmente relatos de viajantes começaram a chegar contrariando o conteúdo de George Psalmanazar, que acabou confessando publicamente a fraude. 

Depois de ser desmascarado, ele tentou viver como escritor e produziu obras de circulação limitada. No meio literário ele fez amigos e recebeu a proteção de alguns em tempos de dificuldade. Também se dedicou aos estudos e escritos teológicos. Ele morreu em 1763 e deixou sua autobiografia “Memoirs of ***, Commonly Known by the Name of George Psalmanazar” (“Memórias de ***, Comumente Conhecido pelo Nome George Psalmanazar”) registrando sua vida de golpes, o arrependimento e a redescoberta da fé.


Referências: