Tsuruhime, a Sacerdotisa Guerreira

A atuação das mulheres guerreiras japonesas foi muitas vezes obscurecida pela história tradicional, mas em determinados períodos foi uma necessidade contar com a luta feminina para a proteção dos lares, aldeias e até castelos em tempos de conflito como no período Sengoku ou “Era dos Estados Combatentes” (séculos XV e XVI). Geralmente as guerreiras, conhecidas como onna-musha, exerciam atribuições defensivas no combate direto na proteção da família e dos filhos vulneráveis. Para isso recebiam treinamento apropriado em artes marciais, em equitação, no manejo de arco e flecha e tinham familiaridade com armas de combate para o uso quando necessário. Algumas combatentes tiveram destaque atuando nas frentes de batalha, sendo exemplos de bravura e lutando ao lado de guerreiros treinados como Tomoe Gozen, que recebeu o status de comandante, ou a jovem Tsuruhime, que liderou ataques contra um exército invasor.

Tsuruhime, também conhecida como Ōhōri Tsuruhime, nasceu em 1526 na ilha Ōmishima, na província de Iyo. Ela era filha do sacerdote Ōhōri Yasumochi, que liderava o Santuário Ōyamazumi, um dos mais importantes templos xintoístas da região. Pela posição de Yasumochi, a família era respeitada e prestigiada, mas isso não impediu a preparação da pequena Tsuruhime para lidar com eventuais desafios e perigos e então ela recebeu treinamento em artes marciais e uso de armamentos.

O contexto do período Sengoku tornava a região sujeita a agitações. Localizada no Mar Interior de Seto, Ōmishima estava numa rota comercial importante e se conectava com várias regiões japonesas, o que fazia da ilha um ponto estratégico em tempos de guerra. Além do interesse militar, o Santuário Ōyamazumi despertava um interesse místico por ser dedicado a Ōyamazumi-no-Kami, divindade consagrada como protetora dos guerreiros e marinheiros, atrativo que despertava a cobiça de líderes e samurais pelo controle do local sagrado. Os Clãs Kōno, que já governava a província, e Ōuchi, que controlava a província de Suō e buscava ampliar seus domínios, eram rivais e queriam assegurar a posse de Ōmishima. Os interesses conflitantes levaram a uma guerra na década de 1540, quando o clã Ōuchi iniciou seus ataques contra a ilha, mobilizando os habitantes a formar uma resistência da qual até a jovem filha do sacerdote fez parte.

Aos 15 anos, em 1541, Tsuruhime teve que assumir a responsabilidade de liderar a comunidade e se tornou a sacerdotisa-chefe do santuário, além de precisar se encarregar da defesa de sua ilha natal porque seu pai morreu e ela era a única sucessora legítima após a anterior morte de seus irmãos mais velhos. A força e a legitimidade de sua condução estavam na crença de que ela era uma manifestação viva de Mishima Myojin, entidade guardiã do templo. Era uma posição complicada numa era dominada pela liderança masculina, sobretudo diante de uma situação de guerra, mas a jovem conseguiu unir a população e coordenar as ações e estratégias de combate. Sua determinação e sagacidade como comandante foi logo comprovada quando suas forças repeliram os invasores. Os inimigos não desistiram e tentaram uma nova invasão, mas Tsuruhime conduziu um ousado ataque contra o navio principal da esquadra Ōuchi, ocasião na qual seus talentos como combatente também foram ressaltados através de uma luta contra o general oponente, que ela derrotou em um duelo.

Apesar da reputação da jovem líder feminina, os Ōuchi não desistiram e permaneceram realizando ataques cada vez mais intensos. Em um deles, em 1543, o noivo de Tsuruhime acabou morrendo em combate, situação que foi trágica demais para a sacerdotisa guerreira, que resolveu praticar um suicídio ritualístico por afogamento em seguida. Suas últimas palavras, segundo a tradição que se formou em torno do episódio foram: “Como o oceano de Mishima é minha testemunha, meu amor será gravado com meu nome.”

Os clãs Kōno e Ōuchi continuaram lutando após a morte de Tsuruhime no instável cenário do Período Sengoku. O clã Kōno prevaleceu além do Ōuchi e a ilha Ōmishima continuou a desempenhar o seu papel como entreposto e centro religioso. A armadura de Tsuruhime foi guardada no Santuário Ōyamazumi como artefato sagrado.


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