Anna Maria Schwegelin, a última condenada por bruxaria na Alemanha

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

A incompreensão sobre os complexos distúrbios da mente em sociedades fortemente influenciadas por preceitos religiosos influenciou uma tendência a atribuir os comportamentos incompreensíveis e não convencionais à ação sobrenatural de forças malignas. Muitas pessoas foram vítimas de opressões violentas em nome desta crença e muitas das próprias vítimas também chegaram a considerar que forças obscuras se apossaram de seus corpos. Comunidades católicas ou protestantes cultivaram esta percepção, submetendo pessoas com patologias mentais a acusações indevidas que resultaram em consequência dramáticas.

No século XVII, na Alemanha, Anna Maria Schwegelin foi uma das vítimas dessa situação. Nascida em 1729 na cidade de Lachen, na Baviera, era filha de pais humildes e precisou trabalhar muito jovem para ajudar no sustento da família, encontrando serviço como trabalhadora doméstica. Aos 22 anos, quando era funcionária de uma fazenda, Anna Maria conheceu e se apaixonou por um cocheiro protestante que a convenceu a largar o catolicismo diante da promessa de casamento, mas o homem não cumpriu o compromisso e a abandonou.

Anna Maria ficou seriamente desiludida e abalada emocionalmente. Além disso, o sentimento de ter traído sua igreja mexeu com sua estabilidade e ela se convenceu de que a traição à fé católica foi sua ruína. Seu comportamento passou a ser cada vez mais afetado, ela se tornou uma pessoa isolada, melancólica e marcada por uma crise de identidade religiosa, culpa e sensação de abandono espiritual mesmo após seu retorno ao catolicismo.

Em 1769, aos 40 anos de idade, ela sofreu um acidente que causou uma lesão grave em uma perna, sequela física que a incapacitou para o trabalho e afetou sua subsistência. Desamparada, ela acabou internada num hospício para leprosos em Obergünzburg e desde então sua já fragilizada saúde mental se agravou severamente diante da miséria, isolamento e maus-tratos impostos no estabelecimento. Ela foi posteriormente transferida para um precário asilo para pobres e inválidos em Langenegg, onde seu quadro continuou piorando diante de condições como privação alimentar e tratamento desumano . Ela começou a manifestar delírios e um comportamento errático, alegando ter visões demoníacas e um pacto com Satanás, com quem se comunicava através de sonhos.

A perturbada mulher declarava que seu jeito de ser era influenciado pelas forças das trevas e confirmou que fez um pacto com o Diabo. Muita gente passou a levar isso a sério, então os boatos a seu respeito logo começaram a ser disseminados e havia quem achasse que o comportamento incomum de Anna Maria servia de confirmação de seus laços satânicos, surgindo as acusações de que ela era uma bruxa. Mesmo na Era Iluminista, determinadas superstições ainda vigoravam no imaginário popular e as autoridades persistiam em considerar esse tipo de acusação com base em legislações arcaicas.

Ela acabou sendo denunciada por prática de bruxaria e o juiz distrital Johann Franz Wilhelm Treuchtlinger se encarregou do processo. Anna Maria confessou ter ligações obscuras com o mundo infernal, apesar de negar praticar bruxaria e atos prejudiciais a qualquer pessoa. Como previsto na lei medieval ainda em vigor, a sentença mortal foi declarada em abril de 1775 e ele deveria ser decapitada. Mesmo considerando a legalidade oficial da situação, o clérigo franciscano Anton Kramer resolveu interceder em favor da condenada. O religioso era adepto de reformas inspirada em princípios do Iluminismo e considerou que a acusação era um resquício de uma mentalidade ultrapassada, embora tenha recorrido ainda a argumentos religiosos como a compaixão cristã e a importância sacerdotal de guiar a pobre pecadora para sua reconciliação com Deus.

Diante do apelo, a pena de execução foi substituída pela prisão perpétua, mas a vida de Anna Maria não se prolongou por muito tempo depois e ela morreu na cadeia no início de 1781, aos 52 anos de idade, depois de receber os últimos sacramentos como uma cristã.

Anna Maria Schwegelin foi a última condenada por bruxaria em território do Sacro Império Romano-Germânico.


Referências: