Cernunnos, a divindade celta da natureza

A ligação do homem com a natureza e suas forças foi valorizada por variadas culturas e contou com marcantes representações em seus mitos e crenças. A dependência da natureza e o medo de seus fenômenos poderosos e incontroláveis, fizeram a humanidade refletir e sobre as circunstâncias e condições de sua sobrevivência, enfatizando a ação de entidades incríveis associadas a tudo isso. Em variadas mitologias, os misteriosos seres associados à natureza assumiram importantes atribuições comandando as formas de vida do mundo selvagem, além de processos importantes como fertilidade, abundância e os ciclos necessários para a existência.

Os celtas consagraram a figura de Cernunnos como uma de suas principais entidades sagradas. A tradição oral dos celtas, além das representações da divindade em artefatos artísticos apresentaram o deus da natureza normalmente cercado por animais, figurando como um guardião e provedor de equilíbrio. Muitas dessas representações trazem Cernunnos em uma pose meditativa, o que confere a ele um status de mediador entre as fronteiras do mundo natural para um mundo espiritual desconhecido dos homens.

A figura de Cernunnos foi bastante popular entre os povos da Gália, Britânia, em partes da Península Ibérica e regiões germânicas. O Caldeirão de Gundestrup, artefato arqueológico da Antiguidade encontrado na Dinamarca no século XIX e que é a mais significativa peça associada à divindade, retrata Cernunnos como figura central, apresentado em pose contemplativa sentado em posição de lótus. A cena é composta por vários animais sagrados como cervos, javalis, touros e lobos, além de guerreiros combatendo. Nesta cena e em outras peças artísticas que retrataram aspectos da crença pagã, a entidade é apresentada com um corpo humano esbelto, dotado de pronunciados chifres de cervo, o que sugere indicar seu alo entre a humanidade e o mundo selvagem. Além de animais, árvores e outras plantas, alguns artefatos exibem moedas e cornucópias, sinalizando outra de suas facetas como provedor de riquezas e prosperidade. A abundância de elementos associados em suas figurações artísticas e ritualísticas indicam que o ente era uma importante divindade da fertilidade entre seus cultuadores.

Assim como outras divindades celtas, Cernunnos poderia ser ambivalente, ou seja, nem “bom” e nem “mau”. Sua associação com a fertilidade e fartura, além de figura protetora dos animais, podia conviver com sua postura incontrolável e imprevisível, capaz de ser ameaçador e perigoso como uma fera e isso ligava o deus à morte, uma condição própria da natureza marcada pelo ciclo de extinção e renovação para a continuidade da vida.

Os cultos em sua honra ocorriam principalmente em bosques sagrados e em alguns templos e santuários minoritários. Os rituais envolviam oferendas de objetos simbólicos e contavam com sacrifícios de animais para garantir a sobrevivência dos rebanhos e até de humanos para promover proteção. O calendário celta promovia festivais como Beltane na chegada do verão e Samhain no início do inverno, importantes marcos voltados para os ciclos de semeadura e colheita que ainda eram voltados para as expectativas de renovação espiritual. Durante esses eventos significativos divindades como Cernunnos eram especialmente celebradas.

A romanização das regiões habitadas por gálios, britanos, celtiberos, helvécios e tréveros possibilitaram uma associação de Cernunnos a outras divindades greco-romanas como Fauno e Silvanus, interferindo e modificando as manifestações de culto.