As mulheres na sociedade romana costumavam estar sujeitas a papeis e expectativas bastante limitados, sendo sobretudo preparadas para atuar na esfera privada como mães, esposas e cumpridoras das tarefas cotidianas da necessidade doméstica, além da dedicação às relações familiares. Esta situação era comum entre as mulheres da elite até aquelas das camadas pobres, pois prevalecia um modelo de conduta feminina que consagrava as figuras das matronas, que eram as mulheres que atendiam aos atributos de fidelidade aos seus maridos (pudicitia), de maternidade (materfamilias) e de dedicação aos seus lares (domus).
Durante o predomínio da Dinastia dos Severos, três mulheres da mais elevada esfera da sociedade foram além das posições de matronas que também correspondiam aos seus papeis familiares. Júlia Domna, esposa do imperador Septímio Severo e mãe dos imperadores Caracala e Geta, sua irmã Júlia Mesa, avó dos imperadores Heliogábalo e Alexandre Severo, e sua filha Júlia Mamea, mãe de Alexandre Severo, acabaram também experimentando o poder no âmbito público e exerceram influência decisiva sobre os rumos do império articulando manobras que levaram seus protegidos ao trono.
Elas eram representantes de uma influente e rica linhagem procedente da cidade de Emesa, na província da Síria. Além das riquezas acumuladas através de gerações, o prestígio da família era reforçado pela tradição da promoção do culto ao deus solar El-Gabal, e as três Júlias eram descendentes do famoso e poderoso sumo sacerdote Júlio Bassiano. A família foi vinculada ao poder imperial através do casamento entre Júlia Domna com o futuro imperador Septímio Severo, fundador da dinastia severiana.
Júlia Domna (Iulia Domna Augusta)
Júlia Domna nasceu por volta de 160 d.C na cidade de Emesa e se casou aos 17 anos com Septímio Severo quando ele ainda exercia o cargo de governador da Gália Lugdunense. A ascensão do marido ao comando de Roma a elevou à posição de imperatriz, mas ela assumiu uma postura diferente da maioria de suas predecessoras e resolveu adotar um comportamento mais ativo e visível diante do público e, sendo uma figura atuante nos bastidores do governo e uma inegável influência sobre o próprio imperador, que costumava manter a esposa informada sobre os assuntos do Estado. Ela era uma ávida intelectual, apreciadora de filosofia e da prática política, além de ser promotora das artes. Intelectuais e vários pensadores e literatos de diversas partes do império foram atraídos para a corte e contavam com sua proteção. Júlia Domna se destacou ainda pelo costume pouco comum de acompanhar presencialmente as expedições militares lideradas por Septímio Severo, o que lhe valeu o apelido de “Mater Castrorum” (“Mãe dos Acampamentos”), indicando o respeito que as tropas dedicavam à imperatriz consorte.
Após a morte do marido, em 211, Júlia Domna assumiu um papel importante como mediadora de seus filhos Caracala e Geta, sucessores do poder imperial. Os irmãos mantinham uma relação muito conturbada de ódio e desconfiança mútua e a mãe atuava no esforço de amenizar as dificuldades da organização de um governo dividido entre imperadores divergentes. A situação chegou a um ponto extremo quando Caracala arquitetou uma emboscada contra Geta, que foi atacado por guardas do irmão e ferido fatalmente durante uma reunião após meses de compartilhamentos do poder. Uma conhecida versão do incidente relata que Geta morreu nos braços da mãe, que tentou em vão salvar sua vida no momento do atentado.
Apesar da situação, o pragmatismo político de Júlia manteve sua lealdade a Caracala e continuou servindo ao governo como conselheira, supervisora da administração e mediadora institucional até a morte do filho, em 217, assassinado numa trama liderada por Macrino, prefeito do Pretório. Após a ascensão do novo imperador, a sorte de Júlia Domna mudou e ela perdeu sua influência num cenário desfavorável. Os relatos sobre sua morte indicam que a ex-imperatriz pode ter se suicidado.
Júlia Mesa (Iulia Maesa Augusta)
Júlia Mesa era irmã mais velha de Júlia Domna e assumiu o propósito de garantir a influência política da família. Ela era uma opositora de Macrino e estava determinada a derrubar o imperador. Para garantir o sucesso de sua conspiração contra o imperador, ela não poupou sua vasta fortuna para bancar uma ampla campanha que pregava a ilegitimidade e usurpação praticada por Macrino. Ela apresentou ao império seu o neto Heliogábalo, alegando que o rapaz era filho ilegítimo de Caracala, apesar da falta de evidências de tal alegação (os registros documentais da época indicavam que a mãe dele era Júlia Soémia, sua filha, e que o pai era o senador Sexto Vário Marcelo). Seu plano de legitimação acabou sendo exitoso, favorecido pela impopularidade de Macrino e pelo desgaste entre o imperador e as tropas, que acabaram aclamando o neto de Júlia Mesa em 218.
Conforme seus planos, a poderosa matriarca exerceu influência considerável sobre o governo do neto, coordenando a execução de vários assuntos do Estado. Ela chegou a assumir uma vaga no Senado para ter um destaque adicional, mas não contou com a crescente autonomia de Heliogábalo, que decidiu exercer sua autoridade e implementar medidas controversas que desagradaram os romanos e provocaram oposições cada vez mais intensas. Ela foi perspicaz o suficiente para saber que Heliogábalo estava fadado ao fracasso, então articulou a nomeação de co-imperador para outro neto, o adolescente Alexandre Severo, cuja mãe era sua segunda filha, Júlia Mamea. Heliogábalo acabou assassinado em 222 e Júlia Mesa continuou atuando no governo com sua experiência e sabedoria política até seus últimos dias, morrendo em 224.
Júlia Mamea (Iulia Avita Mamaea Augusta)
O poder das mulheres da família imperial teve continuidade através de Júlia Mamea, que foi além da mãe e da avó porque acabou assumindo com efetividade o controle do império na condição de regente em nome do filho. Sua ascensão decorreu da conspiração contra Heliogábalo, ato que exemplificou a complexa e sangrenta movimentação pelo poder, pois o imperador assassinado era seu sobrinho, filho de sua irmã Júlia Soémia, personalidade também influente que acabou assassinada por ocasião da manobra política.
Júlia Mamea não se limitou à posição de conselheira imperial, pois presidia audiências, nomeava e destituía membros do governo, tomava decisões administrativas e até militares, ostentando o título honorífico Mater Augusti (“Mãe do Imperador”), salientando sua autoridade. Os efeitos da interferência direta de seu poder foram destacado na implementação das reformas administrativas e ações para pacificar as relações institucionais com os governos provinciais. Nas relações diplomáticas, a matriarca imperial buscou uma solução para o desgastante conflito com os germânicos através da negociação de acordos financeiros para evitar invasões. Mesmo quando Alexandre Severo atingiu a idade adulta e a autonomia para governar em seu próprio nome, sua mãe continuou por trás das decisões, situação que gerou atritos por parte de tradicionais setores da sociedade romana, principalmente dos generais e de políticos que consideravam um insulto a posição de uma mulher como detentora de tamanho poder. Além do gênero, algumas de suas decisões foram questionadas pelo efeito que causaram no enfraquecimento das defesas do império ou no comprometimento dos cofres públicos com os pagamentos dos acordos com os germânicos.
Acusado de ser fraco e manipulável, Alexandre Severo foi assassinado juntamente com sua mãe durante uma expedição militar em 235, situação que impôs o fim da Dinastia Severa.
Referências:




[…] As Mulheres que Sustentaram uma Dinastia no Império Romano […]
[…] As mulheres que sustentaram uma dinastia no Império Romano […]