Os espanhóis dirigiram um processo de domínio complexo no Novo Mundo e um dos aspectos controversos dessa atuação foi a participação de africanos como agentes conquistadores. Embora a presença de africanos na estrutura colonial seja mais amplamente associada à condição de escravos em massa (trazidos em grandes quantidades através do tráfico transatlântico), muitos foram empregados em outras funções em favor do domínio invasor sobre as terras e os nativos a partir do século XVI, quando o governador Nicolás de Ovando chegou à Hispaniola trazendo africanos que foram utilizados para subjugar a população indígena. Desde então, outros foram integrados às expedições em variados destinos participando das sangrentas guerras de conquista.
Além dos africanos e mestiços que fizeram parte da força conquistadora como cativos pessoais e serviçais dos europeus responsáveis pela atividade colonizadora, aqueles que efetivamente atuaram como auxiliares armados combateram sob o comando dos hispânicos na condição de soldados ou integrantes de milícias que participaram ativamente do processo de dominação. Estes agentes coloniais negros podiam ser escravos ou homens livres que integravam as guarnições pela necessidade de contingente armado, desempenhando atribuições combatentes na conquista territorial, na defesa contra as rebeliões indígenas e insurreições de escravos e ainda na proteção de portos e assentamentos costeiros alvos dos ataques de piratas e corsários ingleses, franceses e holandeses. As motivações dos integrantes dessa força auxiliar eram complexas, pois entre os escravos a expectativa de libertação e as melhores condições de vida eram incentivos consideráveis, enquanto entre os livres o serviço militar oferecia oportunidades de ascensão social mesmo dentro dos limites das sociedades constituídas nas colônias.
A presença de negros nascidos na África ou na Península Ibérica e áreas colonizadas como integrantes da estrutura de dominação era um traço paradoxal do processo colonial quando percebido que eles também eram vítimas do processo transatlântico de exploração escravocrata. A participação desses africanos no processo de estabelecimento do domínio espanhol ficou relegada a um plano de subnotificação nos registros e crônicas sobre o andamento do avanço do domínio colonial.
Alguns homens negros se destacaram pela atuação nesse contexto como Juan Garrido, que participo da conquista do México ao lado de Hernán Cortés, Sebastián Toral, que serviu na conquista de Yucatán ou Juan Beltrán, mestiço de destaque na conquista do Chile. Outro caso importante foi o de Juan Valiente, que ascendeu da condição de escravo para o desempenho da função de capitão e conseguiu o privilégio de se tornar proprietário de terras na colônia.
Juan Valiente nasceu por volta de 1505 na África Ocidental, mas foi retirado de sua terra natal ao ser escravizado quando era adolescente. Foi levado para o México, onde foi comprado pelo espanhol Alonso Valiente, parente de Cortés. Ele foi batizado como Juan Valiente, recebendo o sobrenome de seu senhor, e trabalhou como serviçal pessoal acompanhando o espanhol e suas viagens entre a colônia e a Europa. A certa altura, o africano passou a gozar de relativa autonomia e firmou um contrato para obter sua liberdade após o cumprimento de mais serviços como braço armado na exploração colonial e diante do pagamento de um valor ao seu proprietário. Ele fez parte de um grupo de cerca de duzentos africanos sob o comando de Pedro de Almagro, responsável por uma expedição que foi parar na Guatemala em 1533. Seu destino seguinte foi o Peru, onde enfrentaram grandes dificuldades. Fome e doenças arrasaram os participantes da missão, mas Valiente conseguiu sobreviver e ainda se engajou em outra expedição, desta vez montada por Diego de Almagro com o objetivo de explorar as terras do Chile.
A mobilidade e experiência de Valiente proporcionaram a promoção para exercer a função de capitão sob o comando de Juan de Valdívia, também no Chile, em 1540. Neste serviço ele acabou figurando como um dos fundadores da cidade de Santiago, em 1545. Ele conquistou maior estabilidade, se casou com uma ex-escrava de Valdívia e, em 1550, acabou obtendo a concessão de uma encomienda, que era a base do sistema colonial e consistia no domínio de um lote de terras que rendia o pagamento de tributos pagos pelos trabalhadores que o habitavam, geralmente indígenas submetidos aos rigores da exploração de mão-de-obra.
Apesar de toda sua trajetória nos assuntos coloniais, lutando contra nativos, controlando escravos, estabelecendo assentamentos, constituindo uma família, administrando uma encomienda e conseguindo fazer alguma fortuna, Valiente ainda era formalmente um escravo, pois a obrigação de realizar o pagamento por sua liberdade ainda não havia sido cumprido. Para resolver isso, ele chegou a entregar o valor acertado a um emissário com o propósito de levar o pagamento até a Espanha, porém Alonso Valiente, seu senhor, não chegou a receber porque a pessoa encarregada do serviço sumiu com a quantia que lhe foi confiada. Somente 3 anos depois, o proprietário espanhol designou seu neto para partir em busca de seu escravo acreditando que ele deliberadamente negligenciou o acordo, mas a viagem mostrou-se infrutífera.
Juan Valiente acabou morrendo escravo porque tombou durante a Batalha de Tucapel contra indígenas andinos em 1553. Alonso Valiente não desistiu do débito e chegou a cobrar judicialmente o pagamento, aproveitando-se do patrimônio deixado por seu antigo escravo, mas a viúva e os filhos de Juan conseguiram preservar o legado.
Referências:


[…] Juan Valiente: Um capitão escravo a serviço do domínio colonial espanhol […]