Carlota Lucumí e a rebelião dos escravos em Cuba

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Desde a conflituosa independência do Haiti, em 1808, a ilha de Cuba passou a servir de alternativa lucrativa para a produção açucareira que enriquecia uma elite que explorava intensamente o trabalho escravo. O esforço para impedir o tráfico humano transatlântico não foi suficiente para reduzir a aplicação do escravismo nas lavouras e engenhos cubanos, onde as condições de trabalho eram extremas e impostas através de métodos brutais de torturas físicas e psicológicas. O temor de uma eventual eclosão de algum grande ato rebelde, tal qual ocorrido no Haiti, era um fator que motivava o aumento da pressão dos senhores e autoridades coloniais sobre os escravos, mas as circunstâncias eram tão árduas que muitos preferiam encarar os riscos das consequências da desobediência e partiram para a luta pela liberdade. 

Um desses movimentos rebeldes foi a Revolta de Triunvirato, deflagrada no início de 1843. Escravos da propriedade Triunvirato, na província de Matanzas, já cogitavam a realização de uma grande sublevação e realizavam articulações clandestinas com cativos de outras propriedades da região através de uma eficiente atividade de comunicação. O plano inicial era promover uma revolta generalizada no momento oportuno, quando as condições da ação estivessem preparadas. As escravas Carlota e Fermina eram duas das articuladoras do movimento e tinham atribuições importantes no processo de comunicação entre os rebeldes, empregando um método codificado de transmissão de mensagens através de tambores. Capatazes do engenho desconfiaram da existência de uma trama e conseguiram perceber e interceptar a ação de Fermina enquanto ela tentava se comunicar com outros escravos. A escrava foi detida e torturada, situação que colocou o projeto de rebelião em risco. Carlota assumiu a continuidade do plano e completou a missão de fazer a emissão da mensagem através do toque dos tambores, sinal aguardado pelos demais participantes da conspiração para que iniciassem a ação. 

Os escravos revoltosos agiram rapidamente para a tomada do poder nas propriedades afetadas. No engenho Triunvirato as instalações foram incendiadas e os cativos foram soltos, inclusive Fermina, resgatada por seus parceiros. De lá, o movimento seguiu para a propriedade Acaná, onde o grupo rebelde também libertou mais pessoas que aderiram à causa. Homens e mulheres portando facões e outros instrumentos de trabalho improvisados como armas seguiram num fluxo de ataques em propriedades na região de Matanzas e Carlota atuou como uma das lideranças, comandando ataques e organizando grupos de rebeldes durante as operações. Em uma dessas missões ela feriu gravemente a filha de um feitor, atentado que foi utilizado contra ela em seguida. 

A convulsão da rebeldia dos cativos espalhou pânico, mas depois de surpreendidos os proprietários conseguiram suas forças e a organização de uma manobra de repressão foi mobilizada pelo governo. No dia seguinte a contraofensiva já estava atuante e Carlota acabou sendo derrotada e capturada durante uma batalha na área do engenho San Rafael. Identificada como uma liderança do movimento, ela foi torturada e executada brutalmente, sendo amarrada a cavalos que puxaram seu corpo em direções opostas até seu corpo ser dilacerado. 

Uma sequência de derrotas enfraqueceu a rebelião e a Revolta de Triunvirato não foi esquecida pelos escravistas. Um processo de fortalecimento repressivo foi estabelecido e conhecido como Ano do Açoite (1844), fase de intensa aplicação de violência e endurecimento das medidas punitivas que atingiu escravos e adeptos da causa abolicionista. 

Carlota Lucumí, também conhecida como “La Negra Carlota”, mulher de origem iorubá do Reino de Benin que foi submetida à escravidão por volta dos 10 anos de idade, não foi esquecida mesmo diante da repressão posterior à sua morte. Seu exemplo ecoou como símbolo de resistência. Durante a Guerra Civil Angolana, a atuação de cubanos no MPLA (Movimento Popular de Libertação de Angola) foi conhecida como “Operación Carlota” e seu nome também é reverenciado em uma iniciativa apoiada pela UNESCO nas áreas do antigo engenho Triunvirato, onde foi estabelecido um memorial contra a escravidão.


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