Rei Artur: História, lenda e literatura

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Com o fim do domínio romano sobre a Britânia, durante o desgastante declínio do império, os saxões, jutos e anglos, povos de origens primordialmente germânicas, encontraram condições favoráveis para ocupar cada vez mais espaço nos territórios britânicos. Estas investidas geraram a resistência britânica através de conflitos territoriais intensos enquanto a população da ilha da Grã-Bretanha se diversificou com a presença de variados povos, que forjaram novas monarquias e posteriormente desenvolveram a “Heptarquia”, composta pelos reinos de Wessex, Sussex, Essex, Kent, Anglia Oriental, Mércia e Nortúmbria. 

Relacionado ao contexto dos enfrentamentos entre os bretões e os saxões, no final do século V e início do século VI, um personagem emblemático passou a ser destacado como referência de resistência e liderança, recebendo o reconhecimento como o guerreiro heroico e virtuoso identificado como Rei Artur, uma das figuras mais notáveis e celebradas da Idade Média.

A existência de Artur é objeto de debates. A época da invasão saxônica foi problemática quanto ao aspecto da produção de documentação, mas cronistas da época chegaram a produzir relatos sobre o conflito. O rei guerreiro não é mencionado em fontes primárias nem em registros contemporâneos como “De Excidio et Conquestu Britanniae”, do monge britânico Gildas. As referências mais explícitas ao herói só surgiram posteriormente através das obras “Historia Brittonum” (século IX) e “Annales Cambriae” (século X). Em “Historia Brittonum”, por exemplo, Artur chegou a ser ressaltado como um importante comandante durante a Batalha do Monte Badon, evento historicamente comprovado, apesar de não ser apresentado no escrito referencial como um rei. O mesmo episódio também foi abordado na obra de Gildas, porém destacava a figura do general Ambrosius Aurelianus como seu protagonista, o que deu margem a especulações de que este líder militar romano-britânico pode ter sido o Arthur histórico ou ao menos uma personalidade que influenciou aquele que seria o grande personagem das narrativas britânicas. 

Foi no século XII, através de “Historia Regum Britanniae”, de Geoffrey de Monmouth, que vários aspectos marcantes sobre o Rei Arthur foram estabelecidos e passaram a ser altamente popularizados, embora repletos de situações improváveis, misturando história, mito e pura criação literária do autor. Monmouth retratou Artur como um rei conquistador que regeu uma Britânia unificada que chegava a ter domínio sobre a Gália e até Roma, apresentando para o público seu conselho de cavaleiros, a famosa Távola Redonda. A fama do rei grandioso foi reforçada depois na literatura através dos escritos de Chrétien de Troyes, produzidos entre 1177 e 1181, que introduziram elementos dramáticos como romances e intrigas íntimas envolvendo Artur, sua rainha Guinevere e o cavaleiro Lancelot. O autor acrescentou uma série de figuras de destaque e narrativas complementares ao ciclo arturiano, apresentando os cavaleiros honrados e exemplares que atuavam em suas próprias aventuras e compunham. A Távola Redonda voltou a ser desenvolvida e detalhada como um governo justo e idealizado que funcionava sob a liderança de Artur em Camelot, sede de seu reino. Chrétien de Troyes também trouxe para o universo arturiano a busca pelo Santo Graal como uma representação do ideal de pureza e elevação espiritual, elemento que foi muito bem acolhido pelos cristãos.  

Novas obras subsequentes ofereceram ainda mais elementos para a construção da grandeza de Arthur, filho e herdeiro de Uther Pendragon. Detalhes narrativos enriqueceram ainda mais as incríveis histórias em torno do rei de Camelot como o Ciclo da Vulgata, conjunto de histórias em francês produzidas no século XIII. Nestas obras, as figuras de Merlin, Lancelot e a busca pelo Graal receberam notável destaque e reforçaram elementos fantásticos popularizados sobre o herói admirável que aos 15 anos conseguiu retirar das rochas e empunhar a mágica espada Excalibur. Desde então, ele provou seu valor através da participação em torneios de destreza e em batalhas épicas contra saxões e outros inimigos, além de assumir o papel de um rei exemplar. A morte do rei teria ocorrido em um combate durante a Batalha de Camlann, que teria ocorrido em 537, quando enfrentou as pretensões de seu ambicioso sobrinho Mordred, que tentou usurpar seu trono e tomar Guinevere como sua esposa. Apesar do desfecho mortal, a figura redentora de Artur continuou sendo aguardada por muitos que acreditaram em seu poder, no exemplo e na veracidade das mais incríveis proezas vinculadas à sua existência.  

Os variados textos medievais ajudaram a criar uma visão glorificada do rei que conseguiu ser associado a um contexto histórico, ser uma lenda e um dos mais fascinantes personagens da literatura europeia. As versões modernas das histórias nas páginas de adaptações literárias e nas representações cinematográficas continuaram envolvendo o público, provando o quanto o universo arturiano é rico, interessante e capaz de encantar ao longo dos tempos. Se Artur existiu historicamente nem importa, pois o personagem provou sua presença de qualquer maneira. 


Referências:

2 comentários

  1. […] Magnus Maximus foi imperador romano após uma insurreição entre 383 e 388 d.C. e após sua queda o Senado proferiu um decreto de damnatio memoriae, determinando o apagamento de seu nome dos registros oficiais. Apesar disso, ele acabou se tornando uma figura conhecida entre os galeses como Macsen Wledig, destacado em obras medievais como “O Mabinogion”, uma tradicional coletânea de narrativas repletas de heróis e figuras notáveis, e em “Historia Regum Britanniae”, de Geoffrey de Monmouth. Há quem sugira que Macsen Wledig pode ter inspirado o desenvolvimento arquetípico do Rei Arthur. […]

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