Pierre François Lacenaire, o poeta do crime

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

A França experimentava uma situação conturbada após a revolução e o período napoleônico, pois as instabilidades na política e a continuada situação de desigualdade social durante o início do processo de industrialização ocasionaram também fatores favoráveis para o aumento da criminalidade nos centros urbanos, principalmente na capital do país. Para lidar com o problema criminal, medidas foram adotadas como a criação de métodos investigativos e especialização policial através das inovações introduzidas pelo detetive Eugène-François Vidocq. Além disso, o sistema punitivo era baseado numa legislação severa e numa lógica que privilegiava o confinamento de criminosos em cadeias insalubres ou a aplicação de execuções públicas na infame guilhotina. Apesar de toda a repressão, algumas pessoas também sentiam uma certa atração pela vida criminosa e Pierre François Lacenaire foi uma delas.

A história de Lacenaire começou em 1803, com seu nascimento em Lyon. Apesar das boas condições de sua família, pois seu pai, Jean-Baptiste Lacenaire, era um próspero comerciante, sua mãe, Marguerite Gaillard, o rejeitou desde o início e isso afetou seriamente a formação de sua personalidade e as escolhas que tomou no decorrer da vida. A relação tensa com a família não impediu que ele se destacasse academicamente, pois seu desempenho como estudante foi notável e seus dons literários e desenvoltura na eloquência eram elevados.

Em 1822 ele começou a trabalhar como notário e depois arranjou emprego num banco, mas abandonou o serviço convicto de que a burocracia não era para ele. Em 1825 foi embora para Paris e resolveu se dedicar à literatura, chegando a publicar poemas e artigos, porém não obteve sucesso, reconhecimento ou dinheiro como escritor. No ano seguinte decidiu se alistar e desertou logo em seguida, voltando para Lyon, onde iniciou sua vida de criminoso.

Sua atuação no crime começou com pequenos delitos envolvendo falsificação e furtos, que acabaram rendendo várias detenções até ir parar na prisão, onde sua perícia nos atos ilícitos foi aprimorada. Lacenaire conheceu muitos condenados que ajudaram a ampliar sua perspectiva criminosa e ampliaram sua rede de contatos no submundo, pois alguns viraram seus comparsas em novos crimes. Estas interações foram tão marcantes que ele chegou a dizer que a cadeia foi sua “universidade do crime”. Ele era um bandido ainda mais hábil quando saiu da cadeia e suas ações também passaram a ser mais graves.

Lacenaire passou a escolher suas vítimas a partir de critérios objetivos, considerando aspectos como vulnerabilidade e possibilidades de ganhos decorrentes de suas abordagens. Os golpes e furtos de resultados modestos já não bastavam e ele agregou a violência aos seus métodos, associado a meliantes vis e dispostos a qualquer coisa para consumar seus crimes.

Um de seus mais notáveis crimes foi um duplo assassinato, que vitimou o ex-companheiro de cadeia Jean-François Chardon e sua mãe, ocorrido em dezembro de 1834. O caso foi motivado pela ambição de roubar o conhecido falsário supondo que ele possuía uma boa quantidade de dinheiro escondido em casa, mas na ocasião da consumação do crime, após o assassinato de Chardon, que era um homossexual marginalizado, foi descoberto que ele não tinha nenhuma fortuna escondida. Para piorar a situação, a mãe idosa da vítima estava em casa e acabou sendo morta por sufocamento para evitar que ela denunciasse. Depois desse crime brutal, Lacenaire voltou aos golpes e fraudes, mas não conseguiu executar nenhuma grande proeza criminosa. Enquanto isso, as investigações sobre os assassinatos de Jean-François Chardon e da senhora idosa acabaram apontando sua participação e ele acabou preso e julgado pelas mortes e por vários delitos contra instituições bancárias.

Durante o julgamento, Lacenaire recorreu a uma ousada estratégia de defesa, justificando que ele era uma vítima das condições de desigualdade e alegando que seus malfeitos foram modos de protesto contra uma sociedade corrompida. Sua performance no tribunal foi teatral, eloquente e apelativa, explorando sua veia literária na apresentação dos argumentos de defesa, embora ele não tenha demonstrado qualquer arrependimento pelos crimes praticados.
A desenvoltura de sua presença no tribunal chamou a atenção da imprensa e até gerou admiradores e sua personalidade extravagante até inspirou Fyodor Dostoiévski a desenvolver o personagem Raskólnikov na obra “Crime e Castigo”.

Nada disso foi suficiente para sensibilizar o júri e ele acabou sendo condenado à morte na guilhotina. A execução ocorreu em janeiro de 1836, quando ele tinha 32 anos de idade.


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