Durante o Regime do Terror da Revolução Francesa (de setembro de 1793 a julho de 1794), a violência virou um instrumento político com ampla utilização, promovendo uma matança desenfreada de críticos e opositores do governo radical que conduziu o processo revolucionário na ocasião. Esse processo agressivo deixou dezenas de milhares de pessoas mortas, mas a brutalidade acabou beneficiando uma jovem artista por um motivo peculiar, pois ela era especialista na produção de representações em cera das fisionomias de personalidades conhecidas e os revolucionários recorreram aos serviços dela para modelar figuras das vítimas da revolução.
A modelagem em cera é uma arte medieval empregada inicialmente para propósitos religiosos e científicos. Os primeiros modeladores elaboravam figuras de santos, partes de corpos humanos oferecidos em cerimônias religiosas para fins devocionais (objetos conhecidos como ex-votos) ou modelos utilizados em estudos anatômicos médicos quando o uso de corpos humanos reais era considerado uma profanação. Com a popularidade e aperfeiçoamento das técnicas, a arte de reprodução em cera também passou a ser empregada para retratar personalidades conhecidas como membros da realeza e criar máscaras fúnebres de defuntos relevantes. Este tipo de material passou a atrair o interesse público, recebendo atenção em exposições e proporcionando oportunidades para artistas modeladores e uma famosa representante dessa produção criativa foi a pessoa revelada durante a Revolução. Ela era Anna Maria Grosholtz, posteriormente conhecida como Marie Tussaud ou Madame Tussaud.
A artista nasceu em 1761 em Estrasburgo, França. Depois da morte de seu pai, o soldado suíço Joseph Grosholtz, sua mãe, Anne-Marie Walder, foi para Berna, na Suíça, para trabalhar como governanta do médico Philippe Curtius. O doutor Curtius era um modelador amador e mantinha um ateliê onde trabalhava com dedicação na produção de peças de cera. A pequena filha da governanta se interessou pelo trabalho e Curtius acolheu o interesse da menina, que virou sua aprendiz. Em 1770, o médico se mudou para Paris para trabalhar e se dedicar ainda mais à arte da modelagem, levando consigo Marie e sua mãe.
Marie recebeu uma educação informal de seu mentor e aperfeiçoou sua habilidade artística através da prática no ateliê de Curtius, que era um homem bem relacionado na sociedade francesa. Nesse período formativo, Marie conheceu Voltaire, criou uma escultura de cera em sua homenagem e aos 16 anos já demonstrava que era uma artista talentosa. Em 1780 ela assumiu o serviço de tutora de arte de Madame Elisabeth, irmã do rei Luís XVI, o que a levou se estabelecer Versalhes.
Quando a Revolução foi deflagrada, Marie passou por uma situação delicada por ser uma pessoa associada à corte. Ela acabou encarcerada na prisão de La Force, onde dividiu a cela com a nobre Josefina de Beauharnais, futura esposa de Napoleão Bonaparte e imperatriz consorte da França. Depois de libertada, Marie voltou a chamar a atenção dos revolucionários, sendo convocada para realizar o serviço mórbido de criar máscaras de mortuárias de pessoas importantes guilhotinadas. Cabeças decepadas eram levadas até o ateliê e a artista precisava fazer seu trabalho pressionada por agentes da Revolução. Seus mais célebres “modelos” foram o rei Luís XVI, a rainha Maria Antonieta e o próprio líder revolucionário Robespierre. Este trabalho ajudou Marie a se sustentar e manter sua segurança durante a fase conturbada das agitações revolucionárias e a exposição dessa produção acabou promovendo sua arte, apesar das circunstâncias dessa fama.
Em 1794 ela herdou a coleção e a galeria de Philippe Curtius e se casou com o engenheiro François Tussaud. A vida de casada era infeliz, apesar dos dois filhos. François era um homem negligente que não tinha interesse pelo trabalho da esposa, apesar do fato de que a arte de Marie garantia o sustento da família. Com o fim da Revolução, Marie resolveu dar um novo rumo à carreira e decidiu ainda abandonar o marido, indo embora para a Inglaterra em 1802. Não foi fácil realizar esta mudança de vida, pois ela enfrentou problemas para se estabelecer durante o período das Guerras Napoleônicas. Ela voltou aos poucos a fazer trabalhos de modelagem de figuras da aristocracia britânica para obter seu sustento, além de viajar levando sua coleção de peças altamente realistas para realizar exposições itinerantes.
Ela conseguiu superar as dificuldades iniciais e obteve condições para empreender, quando, em 1835, fundou a primeira unidade do museu Madame Tussauds, que logo virou uma das principais atrações da cidade. O estabelecimento assegurou o interesse do público, que ficava fascinado com as coleções que incluíam representações de pessoas conhecidas da sociedade, figuras históricas e até uma câmara de horrores que apelava para o lado sombrio da curiosidade dos visitantes. Ela investiu na renovação das peças e na adoção de temas para manter o interesse de uma clientela crescente, assegurando o sucesso de sua iniciativa como um negócio lucrativo que um ótimo retorno financeiro para Marie, destacada como artista e mulher de negócios.
Marie Tussaud continuou dedicada à sua arte aos seus empreendimentos mesmo quando era uma mulher de idade avançada. Ela morreu em 1850, aos 80 anos de idade. Seus negócios continuaram sendo administrados pelos filhos e a empresa fundada por ela prosperou e permaneceu sob o controle dos descendentes até 2005, quando foi adquirida por um importante grupo do setor de entretenimento. A marca Madame Tussauds está associada a museus em importantes destinos turísticos mundiais.
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