A alquimia é uma antiga prática que envolve conhecimentos de química e filosofia, promovendo experimentações e especulações sobre diversos temas, trazendo ainda elementos de espiritualidade em seus conhecimentos. Os primeiros alquimistas atuaram no Egito e na Grécia, articulando variados saberes e influências vindas do Oriente e o egípcio Zózimo de Panópolis, no século III d.C., é o maior expoente deste início da alquimia. Com o avanço dos estudos alquímicos, os islâmicos ajudaram a enriquecer a base e a espalhar os conhecimentos, que chegaram à Europa através da Península Ibérica. Entre os europeus, a alquimia foi valorizada e reconhecida pelas possibilidades idealizadas de proporcionar a imortalidade e pela transmutação de metais em ouro. Além dos conhecimentos sobre substâncias, processos químicos e elaboração de seus instrumentos, os aspectos esotéricos ressaltaram a complexidade da alquimia e proporcionaram aos seus praticantes um status de figuras sábias e respeitadas.
A Igreja Católica abordava a alquimia com cuidado, aceitando algumas práticas como as aplicações voltadas para a medicina ou para a “revelação dos segredos divinos”, mas rejeitava aquelas consideradas como ações voltadas à alteração da ordem natural estabelecida por Deus e as abordagens esotéricas que não se ajustavam aos dogmas cristãos. Os alquimistas que não pretendiam limitar suas atuações recorreram a métodos para ludibriar a fiscalização eclesiástica, utilizando códigos, textos cifrados e símbolos para dificultar a compreensão, mas estes aspectos também alertavam a Igreja a respeito de eventuais sinais de heresia, feitiçaria e conexões diabólicas, resultando em perseguições e punições.
Um dos mais destacados nomes da alquimia medieval foi Nicolas Flamel, cuja fama envolveu realizações e mitos. Flamel nasceu por volta de 1330 em Pontoise, França, em uma família humilde. Pouco se sabe sobre seus primeiros anos, mas é reconhecido que ele foi um escrivão bastante ativo e respeitado em seu ofício. Nos tempos anteriores ao surgimento da imprensa, um escrivão lidava com a elaboração, reprodução e venda de documentação, obras literárias, religiosas e científicas produzidas de maneira manuscrita. O trabalho exigia habilidade, meticulosidade e talentos artísticos, proporcionando aos seus praticantes a oportunidade de aprender sobre muitas coisas através do contato com os conteúdos dos materiais que lidavam em seus serviços.
Flamel acumulou uma considerável fortuna no decorrer de sua carreira e conseguiu ampliar a riqueza em 1368 quando se casou com Perenelle, uma viúva rica que herdou os bens de dois maridos anteriores. Eles não tiveram filhos e utilizaram seus recursos em ações beneficentes, como a construção de hospitais, capelas e abrigos para os necessitados. A residência do casal, construção que ainda existe em Paris, era também o local de trabalho de Flamel, que se dedicou à sua rentável carreira de escrivão como atividade principal.
Nicolas Flamel morreu em 1418 ou em 1419, mas a fama como alquimista só ocorreu postumamente, quando, no século XVII, obras enigmáticas na forma de textos manuscritos que abrangiam diversos saberes da alquimia foram atribuídas à sua autoria. Em “Livre des Figures Hiéroglyphiques” (“Livro das Figuras Hieroglíficas”), supostos estudos de Flamel indicam que ele decifrou um obscuro conjunto de códigos capazes de desenvolver a chamada “Pedra Filosofal”, chave para alcançar a imortalidade. A obra também está associada aos processos de transmutação de metais para a produção de outro. O texto “Le Sommaire Philosophique” (“Resumo Filosófico”) também aborda temas da obra anterior, além de apresentar princípios gerais da alquimia, práticas e processos. “Le Livre des Laveures” (“Livro das Lavagens”) contém demonstrações e descrições voltadas para a purificação e desenvolvimento de materiais úteis para o trabalho alquímico e “Le Bréviaire de Flamel” reúne mais fundamentos desse complexo estudo.
Estas obras e as especulações a respeito de Nicolas Flamel ajudaram a criar uma imagem que pode ser bastante imprecisa a respeito deste personagem medieval, alimentada por lendas de que ele se deparou em vida com a obra chamada “Livro de Abramelin”, revelando saberes que eram perseguidos por muitos estudiosos dos mistérios da alquimia e de suas relações esotéricas. Curiosos e praticantes dos séculos XVII e XVIII realizaram em suas obras diversas referências a Flamel e suas alegadas contribuições, ajudando a perpetuar uma posição de que ele era uma figura referencial neste campo de conhecimento. Ele foi frequentemente citado por feitos como a descoberta de uma maneira de transformar chumbo em outro e de descobrir como preparar o “Elixir da Vida” e ter consumido a tal substância (alguns diziam que ele ainda estava vivo e mantinha sua identidade e paradeiro distante em segredo). Estas realizações teriam sido possíveis porque ele conseguiu obter conhecimentos profundos do hermetismo e da Cabala (Kabbalah), aplicados em suas práticas alquímicas e como caminhos para atingir sabedorias ocultas e poderes espirituais.
O surgimento da química moderna no século XVIII, aprofundado pelos inovadores estudos de Antoine Lavoisier, ajudou a abalar a credibilidade da alquimia e de suas relações com aspectos fora dos parâmetros científicos. As supostas realizações atribuídas a Nicolas Flamel passaram a figurar como fonte de interesse literário e não como legítima inspiração para o conhecimento sobre os mistérios do mundo, do espírito e das transformações que envolvem estes dois planos.
Referências:


[…] Nicolas Flamel e os mistérios da Alquimia […]