No século VII e nas primeiras décadas do século XVIII, a medicina científica ainda avançava de maneira relativamente lenta até as contribuições do Iluminismo fortalecerem a adoção de métodos empíricos e novos conhecimentos anatômicos e fisiológicos possibilitarem um melhor entendimento sobre o corpo, a saúde, a enfermidade e sobre a morte. A antiga teoria dos quatro humores, inspirada no grego Hipócrates, o “Pai da Medicina” do século V a.C., ainda era base para a prática medicinal e abordava a concepção de que a saúde dependia do equilíbrio entre sangue, fleuma, bile amarela e bile negra, os fluidos corporais que sustentavam o organismo. Muitos procedimentos e abordagens médicas ainda eram rudimentares, recorrendo a sangrias ou métodos purgativos. Cirurgias eram altamente arriscadas, com ocorrências frequentes de mortes por hemorragias durante a realização ou por infecções pós-operatórias, além dos insuficientes cuidados com assepsia e inexistência de anestésicos eficazes. Apesar das limitações, estudos anatômicos evoluíam porque diminuíram as restrições severas para a prática das dissecações e variados trabalhos neste campo foram desenvolvidos e contribuíram para progressos posteriores. Outro tema de interesse médico era a morte, o que despertou especulações sobre os fatores que deveriam determinar a definitiva condição de extinção dos sinais vitais.
Um médico e pesquisador importante dessa época foi Jacob Benignus Winsløw, nascido em 1669 na Dinamarca. Depois de uma dedicada vida juvenil envolvida nos estudos, ele ingressou na Universidade de Copenhague, onde iniciou sua formação em medicina. Procurando a melhor formação possível, ele foi para Paris, onde os conhecimentos médicos eram mais avançados, e se especializou em anatomia. A vida na França também trouxe outras mudanças, pois o jovem anatomista luterano se aproximou do bispo católico Jacques-Bénigne Bossuet e decidiu se converter ao catolicismo, além de “afrancesar” seu nome, passando a se identificar como Jacques-Bénigne Winslow para facilitar sua integração no país que adotou. Em 1705 ele obteve seu doutoramento em medicina e foi eleito para integrar a Academia de Ciências de Paris dois anos depois, quando também foi admitido como professor de anatomia na universidade. Além de sua carreira como pesquisador, acadêmico e autor de vários tratados médicos e científicos publicados, Winslow consolidou uma sólida reputação como clínico.
Seu conhecimento e prestígio como anatomista foi fortalecido pela atuação como professor e autor de estudos célebres como a obra “Exposition anatomique de la structure du corps humain” (“Exposição anatômica da estrutura do corpo humano”), de 1731, que se destacou por sua detalhada qualidade descritiva especialmente concentrada nos aspectos meramente anatômicos do corpo humano. Ele foi o primeiro especialista a identificar com exatidão o forame epiploico ou forame de Winslow, abertura que liga as cavidades peritoneais maior e menor, facilitando o movimento de fluidos e a acomodação dos órgãos abdominais e sendo uma descoberta importante como um ponto de acesso para a realizações de cirurgias no pâncreas ou no estômago. Seus estudos contribuíram ainda para a compreensão do funcionamento muscular, da movimentação do pescoço e da coluna. Suas pesquisas também incluíam análises dos casos de malformações congênitas – que na época eram chamados de “monstros” – e foi capaz de concluir que as suas causas eram resultado de fatores de predisposição e não de lesões fetais, o que era uma moção muito avançada em seu tempo.
Outro aspecto relevante e chamativo de seu variado campo de interesses médicos era a identificação dos sinais da morte. Na obra “Dissertation sur l’incertitude des signes de la mort, et des enterremens & embaumemens précipités” (“Dissertação sobre a incerteza dos sinais de morte, e dos enterros e embalsamamentos precipitados”), de 1742, Winslow levantou questões a respeito da imprecisão das conclusões adotadas pelos médicos diante da determinação do estado de morte. Sua crítica sugeria que as falhas na observação dos indicadores físicos da morte ocasionavam até sepultamentos de pessoas ainda vivas, um posicionamento que causou espanto entre especialistas e leigos, aumentando o pânico popular da possibilidade de enterro com vida. Ele argumentou que os habituais levantamentos sobre ausência de pulso, falta de respiração e a rigidez corporal podiam não bastar para sinalizar a morte porque tais estados poderiam ser imprecisos os até temporários em determinadas situações, como durante um coma ou em um colapso. Winslow fez um levantamento de casos comprovados de sepultamentos de pessoas vivas para exemplificar sua tese de que avaliações precipitadas da morte eram ocorrências concretas. Sua proposta para a situação era a adoção repetida de verificações dos sinais vitais e da providência de esperar mais tempo até a confirmação da morte.
O médico não deixou escapar ponderações a respeito de hábitos que ele considerava condenáveis na moda, como o uso dos espartilhos e corpetes que eram adotados no vestuário feminino. Ele argumentava que tais peças poderiam causar prejuízos à cause, pois deformavam o corpo e pressionavam órgãos. Apesar de apresentar as recomendações contra este abuso estético, ele não conseguiu convencer a usuárias e a moda persistiu nos usos desses itens perigosos.
Winslow foi casado com Maria Catharina Gilles e o casal teve um filho, Louis Pierre, que morreu jovem, e Marie Angélique, que cresceu e constituiu sua própria família. Apesar dos convites e propostas para voltar para a Dinamarca, ele preferiu adotar a França, onde estabeleceu sua carreira e vida familiar. Em 1758, o médico renomado se aposentou por causa da surdez e morreu dois anos depois, aos 90 anos de idade.
Referências:


[…] A Ciência da Vida e da Morte: Os Legados de Jacob Benignus Winslow […]
[…] A Ciência da Vida e da Morte: Os Legados de Jacob Benignus Winslow […]