Durante o Brasil oitocentista, as mulheres viviam sob restrições consideráveis. As limitadas atividades destinadas à população feminina envolviam os afazeres domésticos, cozinha, costura ou trabalhos nas lavouras para aquelas que viviam nas zonas rurais. A vida social girava em torno da família e das obrigações devocionais, como as idas à igreja. O acesso à educação formal, que proporcionava a preparação para outros tipos de atuações, era restrito até entre aquelas que viviam em condições mais abastadas. Em uma sociedade patriarcal e escravocrata, as mulheres negras enfrentavam obstáculos adicionais e, além da opressão de gênero, lidavam com a exploração escravista e a desigualdade racial. Mesmo após a abolição da escravidão, as mulheres negras continuaram enfrentando a marginalização, a exclusão social e a falta de acesso à instrução.
Foi neste contexto desfavorável que viveu Maria Firmina dos Reis, nascida em 1825 na cidade de São Luís, no Maranhão, e reconhecida como a primeira romancista negra da literatura brasileira. Sua mãe, Leonor Felipa dos Reis, uma mulher que conheceu a vida como escrava e conseguiu ser alforriada, tratou de viabilizar uma condição diferente para a filha e seu pai, o negociante João Pedro Esteves, também ajudou a proporcionar os meios para sua alfabetização. Ser uma mulher negra letrada era algo bastante incomum e a capacidade de Maria Firmina foi plenamente demonstrada porque ela conquistou uma aprovação em um concurso público que selecionou professoras em 1847, assegurando um êxito significativo para alguém de suas origens e condições.
Enquanto desenvolvia sua carreira de educadora, Maria Firmina revelou seu talento como escritora e em 1859 publicou seu primeiro romance, intitulado “Úrsula”. Considerado o primeiro romance abolicionista do Brasil, a obra abordou os horrores da escravidão e ainda refletiu sobre questões de gênero de maneira inovadora em nossa literatura. A trama gira em torno da relação amorosa entre Úrsula e Tancredo, que enfrentam os desafios de uma sociedade desigual. Personagens negros retratam de maneira explícita e descritiva a violência praticada contra os escravos, possibilitando a apresentação da perspectiva sofrida de quem vivia sob aquele hediondo regime de domínio. O livro “Cantos à Beira-Mar” (1871) é composto por escritos poéticos inspirados no fascínio da autora pela natureza, contendo também poemas de base social que evocam valores como a liberdade e a justiça. O tom abolicionista voltou a ser evidenciado por Maria Firmina no conto “A Escrava” (1887), que narra a dramática experiência de fuga de uma mulher escravizada e de seu filho. A produção da escritora também incluiu textos literários e artigos publicados nos jornais locais, sendo seu romance “Gupeva” (1861-1862) publicado em partes através do periódico O Jardim das Maranhenses. A frequente produção para períodicos de grande circulação tornou sua criação artística e intelectual contra a disparidade social e condição da população negra disponível para o debate público.
Seu trabalho educativo foi igualmente caracterizado pelo pioneirismo. Apesar de já estar aposentada de seu serviço oficial, Maria Firmina dos Reis fundou em 1880 uma escola que recebia gratuitamente crianças de famílias carentes, sendo a primeira instituição de ensino no Maranhão a instruir conjuntamente meninos e meninas.
Maria Firmina dos Reis morreu em 1917 e, apesar da relevância de sua obra e de sua trajetória significativa, o reconhecimento à autora foi negligenciado ao longo dos anos. A marginalização de seu legado e representatividade refletiram as questões que ela já denunciava em seus escritos.
Referências:
- Memorial Maria Firmina dos Reis
- Maria Firmina dos Reis, 200: o que a vida e a obra da escritora maranhense podem ensinar
- Maria Firmina dos Reis: vida e obra: uma contribuição para a escrita da história das mulheres e dos afrodescendentes no Brasil
- Quem foi Maria Firmina dos Reis, considerada a primeira romancista brasileira
- Maria Firmina dos Reis


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