Karl Heinrich Ulrichs, um pioneiro na luta pelos direitos da população LGBTQ+

(Representação vosual gerada pela IA Leonardo)

Ser gay na Alemanha do século XIX implicava em viver à margem dos preceitos morais estabelecidos como adequados e desafiando a ordem legal, pois a prática de atos homossexuais era considerada crime. Além dos preconceitos e discriminações, os perigos envolviam a possibilidade da repressão policial, normativa e punitiva através de processos judiciais e prisão. Neste contexto repressivo despontou o advogado Karl Heinrich Ulrichs, que encarou os desafios de se posicionar e enfrentar as condições desfavoráveis, sendo um pioneiro na luta pelos direitos LGBTQ+.

Ulrichs nasceu em 1825 numa tradicional família luterana do interior. Tendo uma notável inclinação para o universo intelectual, estudou direito, teologia e história em Göttingen e Berlim e optou pela carreira jurídica, iniciando a atuar como assessor jurídico para o tribunal distrital de Hildesheim em 1846. Ao longo de sua experiência no emprego, murmúrios a respeito de sua vida pessoal circulavam pelos corredores do tribunal e davam conta de casos com outros homens, o que era considerado uma conduta altamente reprovável. Em 1857, as suspeitas foram suficientes para sua demissão; contudo a situação despertou nele um impulso para finalmente agir publicamente em defesa da causa da liberdade para a população homoafetiva alemã.    

Uma providência já adotada por Ulrichs foi a abordagem sobre a linguagem, pois os termos referidos aos homossexuais eram geralmente pejorativos. Ele cunhou o termo “Urning”, derivado de Urania, nome da musa grega da astronomia, para expressar de maneira neutra a atração entre homens (no caso feminino, o termo que ele utilizou foi “Urningin”). O termo “Dioning” era aplicado para se referir à atração dos homens por mulheres, também inspirado em uma figura mitológica, especificamente em Dione, mãe da deusa Afrodite. Esta abordagem na comunicação fazia parte de seu esforço intelectual para abordar de forma inovadora questões sensíveis e polêmicas sobre sexualidade, afetividade e direitos.

No aprofundamento de seus estudos, Ulrichs estabeleceu pioneiramente a noção de identidade sexual, abordando a natureza da atração como um aspecto inato e não como comportamento adquirido ou um costume praticado. Essa perspectiva foi reveladora reconheceu que a orientação sexual fazia parte da própria identidade de uma pessoa, independentemente de suas práticas ou comportamentos previstos por normas ou parâmetros de conduta estabelecidos. Embora se concentrasse mais enfaticamente na situação e dificuldades vividas pelos homens de “alma feminina”, Ulrichs percebeu a variedade de experiências da sexualidade e abordou também a situação da bissexualidade e de outras maneiras de manifestação das identidades, reconhecendo que muitas concepções que ela não conseguiu alcançar seriam abordadas no futuro quando as análises sobre gênero e sexualidades amadurecessem.

Suas perspectivas foram divulgadas em panfletos inicialmente publicados sob um pseudônimo até que ele resolveu se identificar como autor. A defesa de concepções tão desafiadoras gerou repercussão sobre sua vida, pois ele foi profissionalmente prejudicado pelo próprio ostracismo imposto a um indivíduo que era tido como alguém que não estava de acordo com parâmetro comportamental exigido para um jurista. Apesar disso, Ulrichs permaneceu firme em suas posições e chegou a encarar a hostilidade generalizada dos participantes do Congresso de Juristas Alemães, realizado em 1867. Na ocasião, ele fez um inflamado discurso a respeito da posição dos homossexuais diante da legislação, salientando que a identidade não constituía um crime porque as normas legais dos homens não deveriam se sobrepor à natureza e denunciando que as perseguições e criminalização do comportamento sexual eram abusivas. Durante o discurso histórico, ele tocou em questões que muitos fingiam ignorar, como a massiva existência de pessoas atraídas por outras do mesmo sexo que mereciam o reconhecimento e a liberdade para viverem conforme suas inclinações naturais sem o peso da criminalização de suas identidades.

Mesmo sendo perseguido, silenciado e demitido, a atuação de Ulrichs e sua correspondência com intelectuais simpáticos à sua causa motivou engajamentos e posteriores avanços a respeito da reflexão sobre identidades sexuais. O próprio termo “homossexualidade”, formulado por Karl Maria Kertbeny em 1868, foi inspirado nos diálogos com Ulrichs a respeito da situação repressiva na sociedade alemã.

Karl Heinrich Ulrichs foi embora de seu país em 1880, preferindo o autoexílio na Itália. Ele continuou escrevendo e viveu de maneira modesta até 1895, quando faleceu aos 70 anos de idade. 


Referências: