Ignatius Sancho, um intelectual abolicionista que nasceu escravo

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Nascer sob o domínio da escravidão já era uma situação altamente desafiadora, pois impunha desde o início condições difíceis e brutais. Ignatius Sancho nasceu escravo em circunstâncias extremas em 1729, pois ele veio ao mundo a bordo de um navio negreiro durante uma travessia da África para a América. Sua mãe morreu logo após o parto e seu pai se suicidou, então o pequeno sobrevivente escapou da morte para ser vendido e levado para Londres quando tinha apenas 2 anos de idade, sendo entregue como “presente” a três irmãs solteiras de uma família endinheirada. Um dos frequentadores da casa, o 2º Duque de Montagu, John Montagu, se afeiçoou ao menino e percebeu sua notável inteligência e estimulou sua alfabetização, fornecendo livros que ajudaram a revelar conhecimentos e perspectivas.

Quando tinha 20 anos, Sancho decidiu fugir e buscou refúgio na residência de Montagu, onde permaneceu como criado dotado liberdade para desfrutar da vasta biblioteca da mansão. Ele tinha um interesse bem amplo, pois lia de tudo com dedicação. Outra maneira de ampliar seus horizontes intelectuais foi sua intensa troca de correspondências com literatos e intelectuais, abordando variados temas a respeito de literatura, música e, principalmente, sobre a causa abolicionista. Um de seus correspondentes era o escritor Laurence Sterne, que era adepto de inovações e de temas instigante, e ficou impressionado com os argumentos de Sancho, adotando em seu trabalho a discussão sobre a abolição da escravidão por causa dessa influência.

Em 1774, Sancho iniciou uma nova etapa de sua vida, quando deixou o serviço na casa dos Montagu e iniciou seu próprio negócio com a ajuda dos antigos patrões. Ele abriu uma mercearia onde, ironicamente, negociava produtos gerados pelo trabalho escravos nas regiões colônias. Em seu estabelecimento, além das vendas, ele ofertava momentos de diálogos com os frequentadores, discutindo a respeito de inúmeros temas, fazendo de sua loja um ponto de encontro de pensadores, artistas e políticos abolicionistas. Entre as conversas, articulações contra a escravidão e transações comerciais, ele passava boa parte de seu dia lendo, escrevendo e compondo música.

Na medida em que os negócios prosperavam, Sancho obtinha mais estabilidade e autonomia financeira, conquistando direitos incomuns para um homem negro no contexto da Inglaterra da segunda metade do século XVIII. Ele era um homem bem relacionado, que conhecia pessoas influentes e discutia questões sociais, políticas e institucionais em uma profundidade que somente a elite intelectual estava familiarizada. Esta posição fez dele o primeiro negro a obter um título eleitoral para poder escolher os representantes do Parlamento, um direito que era restrito até entre a população branca.

Ele era casado com Anne Osborne, uma mulher de origem caribenha, e tiveram sete filhos. A esposa era uma peça fundamental no desenvolvimento dos empreendimentos comerciais da família, sobretudo quando a saúde de Sancho ficou comprometida por causa da gota, doença que acabou causando sua morte aos 51 anos de idade em dezembro de 1780. Seu obituário foi o primeiro de um homem negro a ser publicado na imprensa britânica. Dois anos após sua morte, foi publicada a obra “Letters of the Late Ignatius Sancho, an African”, reunião de uma coleção de escritos que ele produziu e que compartilhou com seus correspondentes, contendo um retrato sobre a escravidão, a superação que ele conseguiu durante sua vida e suas impressões sobre o panorama cultural da Inglaterra de seu tempo.


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