A Revolução Médica de Albucasis

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Durante os séculos VIII a XIII, o mundo islâmico e a Europa Cristã viviam situações diferentes a respeito da promoção de contextos favoráveis para o desenvolvimento científico. A “Idade de Ouro Islâmica” e a “Idade das Trevas” da Europa Podem ser concepções sujeitas a discussões, mas alguns fatores foram importantes para proporcionar um impulso significativo para a produção científica entre os muçulmanos enquanto num fragmentado continente europeu o foco teológico predominou sobre a ciência e limitações prevaleceram sobre o avanço em algumas áreas, a exemplo da medicina. A expansão territorial islâmica proporcionou contatos com diversos povos e culturas, favorecendo o intercâmbio e assimilação de conhecimentos dos ricos legados dos gregos, persas, indianos e egípcios. Centros de aprendizado (as madrassas) ajudaram a difundir um notável acervo intelectual e figuras poderosas decidiram promover o desenvolvimento do saber patrocinando iniciativas e estruturas para o os estudos avançados, proporcionando o surgimento das primeiras universidades como al-Qarawiyyin (859), al-Azhar (970) e Nizamiyya (1065).

Um dos expoentes da ciência medieval muçulmana foi Abu al-Qasim al-Zahrawi, que nasceu em 936 em plena Europa, na cidade de Córdoba, situada na região de Andaluzia, Espanha. Também conhecido no Ocidente como Albucasis, ele é consagrado como “pai da cirurgia moderna” por causa de suas contribuições para a prática médica e conhecimentos sobre o funcionamento do corpo humano. Ele estudou medicina em Córdoba, onde funcionava um importante cento de desenvolvimento cultural e científico estabelecido pelos mouros (islâmicos que dominaram vastas regiões da Península Ibérica a parir do século VIII). Depois de se preparar ele permaneceu em Córdoba, onde seguiu carreira, servindo como médico nas cortes dos califas Al-Hakam II e Al-Mansur e realizando uma intensa atividade de pesquisa, busca pelo aprimoramento científico de suas abordagens e difusão dos conhecimentos e procedimentos que desenvolveu.

Albucasis foi o introdutor de técnicas inovadoras como as suturas internas realizadas com fios elásticos e resistentes feitos a partir de intestinos animais. Esta técnica eficiente é utilizada até hoje e permite que a absorção do material pelo corpo durante o processo de cicatrização. O inventivo médico elaborou mais de 200 instrumentos cirúrgicos, entre eles o fórceps para partos complicados e muitos utensílios que ainda são utilizados no trabalho cirúrgico contemporâneo. A incrível versatilidade de Albucasis possibilitou sua exploração em vários campos. Ele aplicou métodos inéditos de cauterização, de abordagens ginecológicas e até de neurocirurgia, realizando procedimentos para lidar com lesões na cabeça, fraturas cranianas, hidrocefalia e muitas outras condições. Estes complexos conhecimentos foram desenvolvidos apesar de uma limitada condição de realizar mais aprofundamentos em anatomia, pois a realização de dissecação de corpos de cadáveres era inadmissível segundo os preceitos islâmicos.

Ao longo de sua atuação médica e científica, Albucasis reuniu seu estudos em uma obra monumental, conhecida como “Kitab al-Tasrif”, concluída no ano 1000. Os trinta volumes deste trabalho abrangem detalhadamente muitos tópicos, envolvendo estudos das patologias, abordagens cirúrgicas, odontologia, farmacologia, tratamentos clínicos, nutrição e outros aspectos da medicina. A educação e treinamento médico foi dos focos abordados em seu trabalho e Albucasis defendia que antes da formação específica, um futuro profissional deveria passar por um bem fundamento processo de aprendizagem em linguagem, matemática, astronomia e filosofia. Durante a formação médica, o aprendiz precisava conhecer os aspectos teóricos, acompanhar e observar o trabalho de profissionais experientes e adquirir prática realizando os procedimentos sob a supervisão de médico atuante e devidamente habilitado, introduzindo a noção de estágio no processo de preparação e treinamento. Outro tema abordado na obra envolvia ética e relação médico-paciente, ressaltando a necessidade do tratamento igualitário, desconsiderando as diferenças sociais ou religiosas diante do compromisso de ajudar a preservar e salvar vidas.

Albucasis morreu em 1013, aos 77 anos, e seus registros no “Kitab al-Tasrif” permaneceram ajudando a formar médicos. A posterior tradução latina da obra do gênio de Córdoba foi muito importante para o avanço da medicina entre os Europeus.


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