D. Sebastião de Portugal e seu reinado através das crenças messiânicas

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

O reino de Portugal viveu uma fase de incertezas quando a vacância do trono em 1578 submeteu o governo ao controle hispânico a partir de 1680, decorrência da morte do jovem rei D. Sebastião, décimo sexto monarca português. D. Sebastião nasceu em janeiro de 1554, seu pai era o príncipe D. João Manuel de Portugal, último filho sobrevivente do rei D. João III e da rainha D. Catarina da Áustria. Sua mãe era a princesa D. Joana, filha de Carlos V do Sacro Império Romano-Germânico. Esta associação hereditária ligava o jovem príncipe à poderosa Casa de Habsburgo, uma das mais influentes dinastias europeias. Enquanto D. João III envelhecia e a saúde frágil e debilitada de D. João Manuel se agravava, as cortes se preocupavam quanto ao destino do reino, então foram grandes as expectativas em torno do nascimento que D. Sebastião, ocorrido dias antes do falecimento de seu pai. Diante da situação, o novo membro da família real foi logo aclamado como “O Desejado” pela representação da continuidade da dinastia e soberania portuguesa, assumindo e imediata condição de sucessor, o que se consumou por ocasião da morte de D. João III quando ele tinha apenas 3 anos de idade e passou a ser D. Sebastião I de Portugal.

Durante a período de sua incapacidade para governar e fase de preparação, o reino contou com a regência supervisionada inicialmente por sua avó, a rainha viúva D. Catarina, e posteriormente pelo cardeal D. Henrique, seu tio-avô. O monarca assumiu efetivamente o poder em 1568, ao ser declarado maior de idade quando dia 14 anos. O jovem monarca logo exibiu seu fervor religioso como um traço determinante para a condução do governo e perspectiva de vida, negligenciando questões essenciais para o desenvolvimento de Portugal. Ele alimentou uma verdadeira obsessão pela proposta de organizar e liderar uma expedição militar cruzadista contra os “infiéis” muçulmanos no norte da África. O contexto europeu não favorecia mais este tipo de iniciativa, pois a Reforma Protestante já era uma ameaça muito maior para a Igreja Católica e para os monarcas leais à tradição religiosa, além disso, era uma época de expansão marítima, comercial e colonizadora que proporcionava outros interesses e oportunidades para os reinos. O idealista D. Sebastião não contou com o apoio de outras monarquias católicas nem do próprio papado, além disso, a empreitada de realizar uma cruzada não foi bem recebida na corte e foi desaconselhada pelos nobres, que também viam que o foco do governo deveria se voltar para os empreendimentos comerciais e administração das colônias portuguesas.

Apesar de todas as advertências, riscos e inexperiência no comando militar, o rei mobilizou uma expedição aliada ao príncipe marroquino Mulei Mohammed, que pretendia derrubar do poder o seu tio Mulei Moluco. Parta encarar a pretenciosa aventura militar, D. Sebastião convocou nobres e mercenários e formou um exército bancado pelos cofres portugueses, provocando considerável comprometimento econômico do reino. A custosa e inoportuna operação militar foi um fiasco e os 17.000 homens enviados por Portugal não conseguiram fazer frente aos mais de 60.000 soldados marroquinos que, além da superioridade numérica, possuíam mais experiência de combate, conhecimento do ambiente da luta e contavam com um comando muito mais qualificado do que um rei que acreditava que sua fé bastaria para garantir a vitória. Os portugueses foram massacrados em 4 de agosto de 1578 na Batalha de Alcácer-Quibir (Ksar El-Kebir), incluindo o próprio rei, cujo corpo nunca foi identificado entre os cerca de 9.000 corpos de combatentes que estiveram sob seu comando.

O efeito desse fracasso foi drástico para Portugal. O desaparecimento do imprudente monarca de 24 anos de idade deixou o reino sem um herdeiro viável. A após um breve reinado de seu idoso tio-avô D. Henrique, um clérigo sem filhos, em 1580 o trono de Portugal finalmente acabou sob o domínio do rei Filipe II da Espanha, herdeiro pelos laços de parentesco. A perda da autonomia de Portugal sob a União Ibérica durou 60 anos. 

A situação gerou frustração entre os portugueses e surgiu uma ilusória expectativa popular de que o rei ainda tinha uma missão redentora a cumprir, quando D. Sebastião, “O Encoberto”, ressurgisse para restaurar a grandeza de seu reino. Nascia assim o mito do Sebastianismo. Era uma esperança messiânica de influência política e religiosa que pressupunha que a condição de dominação estrangeira sobre o reino seria solucionada milagrosamente pelo retorno do rei desperecido. A imaginação em torno de reis salvadores que retornariam misteriosamente já havia sido manifestada interiormente na Europa através de exemplos como os mitos em torno do lendário Rei Artur ou na crença germânica de que Frederico Barbarossa estaria repousando na montanha até ressurgir para reerguer Reich Alemão, então o Sebastianimos não era algo inteiramente inédito. Assim foi proporcionada a crença que sustentava que numa indefinida manhã sob um nevoeiro o próprio D. Sebastião reapareceria montando gloriosamente num cavalo branco como um cavaleiro redentor e heroico.

O imaginário em torno desse mito influenciou a cultura popular, inspirou artistas e místicos, cruzando o e chegando à colônia na América. No Brasil, apesar dos cenários de crise e opressão em contextos diferentes da situação portuguesa nos tempos da União Ibérica, os sebastianistas levaram adiante as crenças messiânicas em torno da figura do rei redentor que apareceria para promover justiça e salvar o povo.

Esta esperança religiosa foi manifestada em movimentos e conflitos sociais presentes em episódios marcantes como a Pedra do Reino, no sertão de Pernambuco. Entre 1836 e 1838 uma comunidade formada em torno da expectativa de aparição e liderança de D. Sebastião se reuniu em Villa Bella, no atual município de São José do Belmonte, na localidade da Pedra Bonita. Orientados inicialmente pelo beato João Antônio e posteriormente por João Ferreira, que se dizia profeta que tinha visões de D. Sebastião. Os seguidores do culto sebastianista questionavam a estrutura da sociedade enquanto adotavam práticas extremas que culminaram numa matança desenfreada entre os próprios adeptos da crença até a intervenção das autoridades. O messiânico líder sertanejo Antônio Conselheiro fundou no sertão da Bahia o impressionante Arraial de Canudos, local que atraiu milhares de seguidores que também eram acolhidos pela esperança do retorno milagroso de D. Sebastião, protegeria a população das condições da miséria e opressão dos senhores de terras. O crescimento da comunidade culminou na Guerra de Canudos (1896-1897), um dos mais significativos confrontos sociais da História do Brasil. Já em pleno século XX, uma outra manifestação de influência sebastianista ocorreu nas fronteiras do Paraná e Santa Catarina através da sangrenta Guerra do Contestado (1912-1916). O conflito contou com a inspiração de místicos que reuniram seus adeptos em torno do ideal libertador do sebastianismo e da defesa da permanência da população pobre nas terras pretendidas pelos interesses econômicos.

O desfecho trágico da desventura marroquina de D. Sebastião foi além das circunstâncias sucessórias de Portugal e as falsas expectativas salvadoras em torno do rei que não conseguiu se conectar ao seu próprio tempo alimentaram vislumbres místicos que continuaram inspirando seguidores muito depois da restauração da autonomia do reino português, ocorrida em 1640.


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