Papa-Figo: O terror que ameaçava a infância

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Amedrontar crianças através de histórias chocantes sobre figuras sombrias capazes de capturar jovens e inocentes vítimas é uma prática estranha, mas comum. O uso do pavor como forma de controle para disciplinar, impor obediência e prevenir comportamentos reconhecidos como perigosos, como vagar longe de casa sem a companhia de adultos. Eventuais desaparecimentos reais de crianças em condições misteriosas reforçaram as histórias macabras e uma miríade figuras aterrorizantes como a Baba Yaga, El Cucuy, e variados personagens ameaçadores para crianças foram tomando forma, simbolizando os medos e ansiedades das próprias culturas que os criaram.

Um desses perigos personalizados no imaginário popular é o infame Papa-Figo, que surgiu nas tradições orais como uma lenda bastante difundida no Nordeste do Brasil. Suas representações são variadas como indivíduos velhos cadavéricos ou de um sinistro praticante de artes ocultas, mas geralmente consistem em um homem solitário que vaga carregando um saco no qual aprisiona as crianças que ele captura depois de iludir os ingênuos alvos ao ofertar doces. O assassino agia sem ser visto e sem deixar vestígios, o que que acrescentava ainda mais mistério em torno de sua natureza. O destino das jovens vítimas era extremo e cruel, pois acabavam assassinadas para que o malfeitor retirasse seus fígados.  

A motivação do matador de inocentes era especialmente tétrica, pois os órgãos retirados de crianças serviriam como remédios para condições como a lepra ou outro mal supostamente curado por esta prática inominável. Canibalismo medicinal era uma prática que já foi considerada por várias pessoas como uma abordagem eficiente para o tratamento de doenças, levando ao ato de recorrer ao consumo de restos humanos para fins medicamentosos e complementação nutricional para proporcionar longevidade e vitalidade. Associar este canibalismo a aspectos ou situações que acentuavam o terror acabou sendo uma possibilidade bem viável.

Como se não bastasse a figuração terrível do predador de crianças, uma versão pernambucana do Papa-Figo o associa a outro ser tenebroso. O sociólogo Gilberto Freyre registrou na obra “Assombrações do Recife velho” que nos idos do século XIX corria uma narrativa sobre um certo indivíduo abastado e misterioso foi acometido por uma maldição ou moléstia muito macabra que fazia com que ele se transformasse num lobisomem. Em sua forma humana, o tal indivíduo tinha um aspecto moribundo, amarelado e que exalava um cheiro fétido. A medicina convencional não tinha um método para lidar com o estranho adoecimento e a transformação noturna em uma besta assassina atestava que o mal não era meramente físico. O desespero levou o infeliz a recorrer aos saberes das artes ocultas através de um curandeiro que recomendou que o ricaço comesse fígado infantil para se livrar daquele estado sobrenatural. O próprio preto velho se encarregou de fornecer o insumo obtido através da morte violenta de crianças, então saía com um saco pelas ruas e ficava à espreita, pronto para atacar algum menino ou menina que se afastava da atenção familiar por desobediência ou traquinagem. Não se sabe quantas mortes infantis foram causadas por esta parceria devastadora entre o Papa-Figo e o Lobisomem, mas os relatos sobre aparições e ataques da fera animalesca reduziram em Recife, indicando a cura da maldição sob um preço inaceitável.

Apesar das variações narrativas, durante muito tempo o medo do Papa-Figo foi explorado pelos adultos para estabelecer a obediência das crianças através do terror representado por esta lenda urbana.

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