Mum Bett e a libertação da escravidão conquistada no tribunal durante o século XVIII

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

A resistência contra a escravidão ocorreu através de um variado conjunto de meios que incluíam as fugas, as reações violentas individuais ou coletivas e a via institucional através das instâncias judiciais. Recorrer aos tribunais começou a ser uma possibilidade viável a partir do século XVIII, quando as reformas legais e mudanças de perspectivas inspiradas no Iluminismo passaram a ser presentes. Nos Estados Unidos, a iniciativa de contestar a submissão escravista diante dos juízes foi impulsionada pela Constituição de Massachusetts, estabelecida em 1780 durante a guerra revolucionária de independência e que serviu de modelo para a própria constituição do país, adotada em 1787.

Nesta sociedade em transição viveu Mum Bett, nascida em uma fazenda por volta de 1744 já sob o domínio da escravidão. Quando tinha 7 anos, ela e uma irmã camada Lizzie foram ofertadas como “presente” de casamento à filha de seu proprietário e então passaram a viver sob o domínio de Hannah, e seu marido, o oficial do exército John Ashley. Bett e Lizzie sofreram vários abusos na casa dos Ashley, sentindo os afeitos dos maus-tratos que frequentemente envolviam agressões físicas. Em um dos ataques de fúria da senhora, Bett se feriu tentando proteger a irmã, que estava prestes a ser espancada com uma pá quente.

As marcas físicas dos abusos e as graves feridas em seus sentimentos reforçaram nela uma enorme vontade de enfrentar a situação para conquistar sua liberdade. Ela ouvia os murmúrios revolucionários e sabia que algo importante estava acontecendo naquela sociedade. Durante as reuniões ocorridas na própria residência de seus senhores, Bett descobriu que uma lei poderosa contrariava o estado de dominação escravista. Se identificou com um princípio do documento enunciado durante uma reunião na qual John Ashley e convidados discutiam sobre os eventos políticos. A frase da Constituição de Massachusetts que mudou a sua vida era: “Todos os homens nascem livres e iguais”.

Em 1781, motivada pela concepção de que a liberdade era um direito assegurado pela lei, Bett procurou ajuda de abolicionistas e chegou até Theodore Sedgwick, advogado e futuro senador. Sedgwick percebeu que estava diante de um caso importante e instruiu Bett a convencer outro escravo, um homem, a ingressar com o pedido de liberdade no tribunal do Condado de Berkshire. Esta providência era importante numa sociedade na qual mulheres não eram ouvidas, então o cativo identificado como Brom, também sob o domínio dos Ashley, resolveu encarar o desafio ao seu lado, iniciando o caso Brom e Bett Versus Ashley, que se tornou um exemplo e precedente significativo como iniciativa contra a escravidão.

Sedgwick explorou exatamente a declaração de igualdade presente na constituição, fruto da influência ideológica pregada por pensadores como John Locke e Jean-Jacques Rousseau. Seu argumento sustentou que a escravidão era inconstitucional no estado de Massachusetts, pois contrariava o princípio da liberdade como uma garantia legal. A posição em favor da libertação dos autores do processo foi aceita pelo tribunal, que também determinou o pagamento de uma indenização. A repercussão do julgamento influenciou novos casos e o próprio John Ashley desistiu da apelação que iniciou. Sob a influência do caso, a escravidão foi definitivamente abolida em Massachusetts em 1783, antecipando em 82 anos a providência da 13ª Emenda à Constituição dos EUA, que libertou oficialmente os escravos em todo o território dos EUA.

Como uma mulher livre, Mum Bett adotou o nome Elizabeth Freeman e passou a trabalhar de forma remunerada como governanta para a família de Theodore Sedgwick, sendo respeitada e bem-quista. Ela também se dedicou ao serviço de enfermagem e do tratamento através de plantas, atendendo doentes pobres da comunidade. Conseguiu sua própria casa, constituiu uma família e teve uma filha, Betsy.

Elizabeth Freeman morreu em 1829, aos 85 anos de idade. Foi sepultada no cemitério privativo da Família Sedgwick.


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