A Princesa Caraboo: A história da mendiga britânica que inventou um reino exótico

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

O Império Britânico possuía tamanha possuía dimensões gigantescas e conexões com variados povos e culturas, o que alimentava entre os súditos da própria Inglaterra uma intensa curiosidade a respeito de aspetos desta vastidão controlada pelo poder de seu reino. Eram comuns as exibições de “curiosidades” provenientes de diversas terras distantes, incluindo o uso de pessoas expostas como atrativos para a satisfação dos interesses de quem manifestava gosto pelo “exótico”. Por causa dessa disposição, algumas pessoas se aproveitavam para aplicar golpes, obter vantagens através dos mais diversos tipos de fraudes ou simplesmente foram movidas pela conveniência de viver uma experiência como impostores favorecidos pela iludida curiosidade alheia.

A inglesa Mary Baker, nascida numa pequena vila rural no condado de Devon em 1792 e proveniente de uma família pobre, fez fama como princesa de uma terra distante (e inexistente) graças a esta propensão pelo deslumbramento diante do diferente. Desde cedo Mary exibia uma personalidade desafiadora, recusando-se a seguir regras e autoridade imposta pela família ou pelos patrões, pois frequentemente mudava de emprego por causa de indisciplina e insubordinação. Ela foi embora de casa aos 16 anos e vagou por várias cidades em trabalhando temporariamente como empregada doméstica. Como não conseguia permanecer nos empregos, acabou passando bastante tempo sem ocupação nem abrigo, sobrevivendo como mendiga errante.

Dotada de uma inteligência vívida, ela conseguiu se alfabetizar por conta própria num contexto no qual mulheres de sua condição eram predominantemente analfabetas. Apesar disso, as dificuldades da vida forçaram Mary a encarar situações extremas e ela até cogitou o suicídio, mas alegou que uma voz misteriosa a convenceu de desistir desse intento. Desamparada, ela foi parar numa instituição de caridade em um estado descrito como “febre cerebral”, sendo submetida a privação de liberdade e tratamentos dolorosos.

Diante da situação que vivia, ela passou a adotar um comportamento muito peculiar e começou a se comunicar numa linguagem incompreensível. Além disso, inventou uma forma própria de se vestir e adotou trejeitos considerados estranhos. Em 1817, Mary estava vagando pelas ruas da vila de Almondsbury quando foi conduzida até as autoridades locais porque estava chamando muito a atenção. Ela alegava, num inglês pouco claro, que era a Princesa Caraboo, do reino de Javasu, localizada em algum lugar no Oceano Índico, e que foi capturada por piratas, mas conseguiu escapar deles. Além disso, nenhuma informação foi obtida dela até que um marujo português identificado como Manuel Eynesso apareceu para oferecer seus serviços como “tradutor”, alegando que conhecia o idioma falado pela estranha mulher. Não há evidências que indiquem que Mary e Manuel se conheciam antes disso e, mesmo assim, acabaram elaborando uma farsa convincente e se beneficiaram mutuamente da enganação.

A notícia de que uma princesa de uma terra distante estava por perto atraiu o interesse de Elizabeth e Samuel Worrall, um rico casal estabelecido em Bristol. Os Worrall se ofereceram para acolher a alegada princesa perdida e levaram também o tradutor oportunista para realizar o seu serviço intermediando a comunicação. A Princesa Caraboo recebeu um tratamento adequado como uma dignitária da realeza e os anfitriões se aproveitaram para incrementar sua própria relevância social, pois promoveram eventos de apresentação de sua convidada.

A comunidade ficou encantada pela presença da princesa. Bailes foram realizados em sua homenagem, onde a nobre exótica podia ser vista e apresentava mais elementos de sua performance, como danças típicas e atos cerimoniais para uma divindade chamada “Allah-Talla”. A personagem era incrementada pela apresentação de Caraboo como uma princesa guerreira, pois ela era vista portando um punhal ou carregando um conjunto rudimentar de arco e flexas. Até uma arte marcial típica de Javasu chegou a ser demonstrada diante dos frequentadores das recepções.

Incorporando a falsa Princesa Caraboo, Mary falava uma linguagem que somente seu comparsa conseguia “entender” e até criou um alfabeto e textos incompreensíveis que chegaram a ser enviados para a Universidade de Oxford. A imprensa se interessou pela personalidade cativante da nobre, artistas tentaram captar a visão daquela figura tão interessante e a nobre Caraboo virou uma celebridade.

Durante dez meses Princesa Caraboo desfrutou das mordomias e atenção dos interessados por sua personalidade única, mas a fama causou um sério problema quando uma pessoa também atraída por sua história finalmente foi capaz de reconhecer a verdadeira identidade da impostora. A senhora Neale, proprietária de uma hospedaria, lembrou que conheceu aquela pessoa que se passava por princesa e denunciou aos Worrall. Depois de confrontada pelos fatos, Mary confessou a farsa e causou um choque entre as pessoas que foram enganadas.

Apesar da indignação, algumas pessoas ficaram comovidas com a história de vida de Mary e resolveram ajudar. Uma nova vida foi proposta através de uma mudança para os Estados Unidos, onde Mary poderia tentar se estabelecer. Habituada à encenar, ela resolveu trabalhar como atriz nos palcos da Filadélfia, voltando a incorporar Princesa Caraboo no contexto teatral.

Em 1824, Mary voltou para a Inglaterra e foi morar em Londres, mas sua carreira no teatro não progrediu e ela se retirou da vida pública em 1828, quando adotou o nome de Mary Burgess e se casou com Richard Baker. Ela começou uma nova atividade e começou a vender sanguessugas utilizadas em tratamentos médicos.

Sua morte ocorreu na véspera do Natal de 1864, aos 72 anos de idade.


Referências: