As manifestações sobrenaturais das forças do mal têm motivado variados tipos de interesses ao longo dos tempos. Atos inquisitoriais, exorcismos e até os filmes de terror já abordaram as situações de possessões de diversas maneiras. Relatos históricos e ficcionais continuam causando medo naqueles que acreditam nas manobras dos entes demoníacos ou despertam curiosidade e até produzem certo fascínio nas pessoas que possuem um interesse especulativo a respeito do tema.
Existem muitos registros de situações qualificadas como possessões e o caso do “Demoníaco de Yatton” é um dos mais conhecidos.
O inglês George Lukins, nascido por volta de 1730, viveu na cidade de Yatton e costumava ser reconhecido como uma pessoa pacata e praticante da fé cristã, ativo na comunidade metodista. Homem de origens modestas, Lukins trabalhou como transportador, alfaiate e tinha uma notável aptidão teatral, participando das “mummeries”, performances populares em épocas festivas caracterizadas por encenações e pantomimas sem falas realizadas por artistas amadores. Ele talentoso, pois tinha habilidade como ventríloquo e cantor, sendo uma figura bastante conhecida localmente por causa de sua dedicação aos espetáculos.
Lukins era uma pessoa querida Yatton e levava uma vida normal sem conflitos ou escândalos até ocorrer um estranho incidente. Ele caiu desmaiado repentinamente enquanto encenava uma peça natalina em 1770, mas este não foi um mal-estar comum e o homem passou a manifestar comportamentos muito estranhos depois disso. Lukins passou a ter convulsões frequentes, tremedeiras, emitia sons bizarros, falava sozinho, usava linguagens incompreensíveis, passou a ser agressivo e declarava explicitamente que era o Diabo, cantarolando o tradicional hino religioso “Te Deum” de maneira invertida, apesar de desconhecer o latim. Sua situação se agravava e chamava ainda mais atenção com o passar do tempo, vários médicos avaliaram sua condição e não conseguiram determinar fisicamente o que estava acontecendo com ele.
Finalmente, em 1788, o reverendo anglicano Joseph Easterbrook, que atuava numa igreja em Bristol, resolveu investigar atentamente o caso. Ele concluiu que estava diante de uma situação de interferência maligna, então recomendou a realização de um exorcismo. O reverendo convocou religiosos da própria comunidade metodista de Yatton para que atuassem na condição de auxiliares, pois o processo exigia a soma de esforços e determinação para derrotar a entidade demoníaca que dominou Lukins. Os clérigos cumpriram os procedimentos para expulsar o tal demônio, realizando orações e cânticos repetidos diversas vezes, dando ordem severas contra o tal entre possessor, que reagiu com ofensas e sacrilégios. Depois de horas, Lukins exclamou “Bendito Jesus!”, recitou orações e os exorcistas declararam que ele estava livre.
Joseph Easterbrook elaborou um relatório da intervenção e o seu conteúdo foi divulgado na imprensa, mas a repercussão foi polêmica. Em plena época e contexto de ideias que evocavam a razão, o relato de uma prática considerada supersticiosa foi recebido com críticas. A conduta de Lukins também foi questionada, pois médicos que avaliaram seu estado afirmavam que ele poderia ter um distúrbio mental ou até estaria simulando. Outros habitantes de Yatton também duvidavam, afirmando que Lukins somente manifestava algum sinal estranho quando estava diante de outras pessoas, mas se comportava normalmente sem testemunhas. Sua experiência teatral e ventriloquia também foram sugeridas como argumentos para sustentar a acusação de que ele era um impostor. O caso dividiu opiniões, pois do lado oposto aos críticos estavam os religiosos que insistiam no alerta a respeito do constante perigo da atuação das forças do mal como ameaças espirituais, ressaltando a importância da religião como proteção diante das artimanhas demoníacas e destacando o conjunto de sintomas espirituais manifestados pelo possesso e a correta abordagem dos exorcistas.
O caso do Demoníaco de Yatton, nome pelo qual Lukins passou a ser frequentemente referido durante a repercussão, se tornou um episódio exemplar por causa das reações que provocou. A controvérsia contemporânea já sinalizava que uma mentalidade mais cética a respeito desse tipo de manifestação já estava presente, levando pessoas a propor contestações críticas e racionais, introduzindo teses de natureza científica como as explicações médicas que aludiam à possibilidade da ocorrência de condições patológicas específicas como a coreia de Sydenham (ou “dança de São Vito”), que provocava movimentos involuntários desordenados e até alterações comportamentais e emocionais. O caso de Lukins passou a ser considerado a partir de outras perspectivas e o apelo ao sobrenatural já não era mais a primeira resposta aceita para explicar episódios tão peculiares.
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