Alboíno e Rosamunda: Uma trágica história medieval de ódio, vingança e morte

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Certos casos vivenciados na história parecem ter saído de tramas ficcionais, dessas cheias de eventos e situações preparadas para gerar um clímax proposital com o objetivo de prender a atenção e engajar o público para seus próximos episódios. Uma dessas histórias dramáticas ocorreu na Idade Média e envolveu Alboíno, rei dos lombardos, e a filha de seu inimigo, Rosamunda, princesa da tribo dos Gepidas, que protagonizaram um caso de ódio, ressentimentos, vingança e morte.

É preciso conhecer um pouco mais sobre o contexto desse enredo histórico.

Depois da queda do Império Romano, em 476, a fragmentação e a instabilidade passaram a prevalecer na Europa durante um período complexo, quando diversos povos que viviam à margem do império passaram a estabelecer seus reinos nos territórios que pertenceram aos romanos. Os chamados Reinos Bárbaros, como aqueles constituídos pelos Francos, Visigodos, Ostrogodos, Vândalos, Lombardos, entre outros, se impuseram através de guerras, alianças, subordinações e assimilações de grupos menores e variados processos, envolvendo influências legadas por Roma e contribuições dos costumes destes povos.

No caso Reino dos Lombardos, sua origem remonta a uma importante tribo germânica procedente das áreas em torno do Rio Elba, espalhados em regiões da atual Alemanha e Hungria. Eram comuns os atritos entre os diferentes povos germânicos, o que influenciava guerras constantes e deslocamentos massivos em busca de lugares mais propícios para a fixação de um domínio estável. Quando regidos por Audoíno, os Lombardos disputavam áreas vitais com os Hérulos num cenário no qual mais grupos se envolviam através das conexões das alianças de guerra e interesses territoriais. As vitórias obtidas favoreceram a posição dos Lombardos, que acabaram se aliado ao Império Bizantino, herdeiro oriental de Roma. Na condição de federado de seu poderoso aliado, Audoíno conduziu tropas para a Itália durante a Guerra Gótica (535–554), iniciativa que tentava estabelecer a península como uma província bizantina livre do domínio dos ostrogodos.

Alboíno, filho e sucessor de Audoíno, assumiu o poder por volta de 563 e em seguida derrotou seus vizinhos, os Gepidas, liderados por Cunimundo. A raiva de seu inimigo era tamanha, que o rei lombardo não se contentou com a morte de Cunimundo e, num gesto de humilhação e brutalidade, transformou seu crânio numa macabra taça para se servir de bebidas. Além disso, tomou Rosamunda, a filha do líder derrotado, como sua esposa contra a o desejo da mulher, indignada pelo fim cruel imposto ao seu pai.

Apesar da vitória sobre os Gepidas, a estabilidade do reino não foi concretizada, pois foi preciso lidar com as ameaças dos Ávaros. Diante da situação, Alboíno decidiu desobedecer ao compromisso com os bizantinos para poder transferir seu domínio para a Itália, enfraquecida e fragilmente protegida. Depois de conquistar com certa facilidade boa parte da Península Itálica, ele fixou a capital do Reino Lombardo na cidade de Verona.

Com o êxito militar parecia que estava tudo bem para o rei impetuoso, mas Rosamunda não abrandou seu ódio e continuava disposta a se vingar. O casamento foi um ato estratégico para assegurar a fidelidade dos Gepidas vencidos e estabelecer a paz, mas a esposa não estava disposta a cumprir este propósito e precisava de tempo e oportunidade para desfazer esta manobra da pior forma possível. O casamento era marcado pela infelicidade e pelo rancor. Alboíno tratava a rainha de maneira desrespeitosa e degradante, culminando em um episódio particularmente sinistro no qual ele forçou Rosamunda a beber vinho na taça feita do crânio de seu pai. Este foi o ponto culminante da situação de revolta, então a mulher resolveu que chegou o momento de cumprir sua aguardada vingança.

Rosamunda dispunha da lealdade de um escudeiro real chamado Helmechis, que possivelmente era seu amante. Além dele, ela conseguiu envolver Peredeo, guarda pessoal do marido, através de sedução e chantagem. O objetivo era executar um plano de vingança através do assassinato de Alboíno em seu aposento íntimo. Com a espada de Alboíno amarrada à cabeceira da cama para garantir o sucesso da emboscada, Helmechis e Peredeo invadiram o recinto para atacar o rei, que ainda tentou inutilmente se defender usando um banquinho como escudo.

A viúva e seus cúmplices fugiram imediatamente para Ravenna, onde o Império Bizantino exercia domínio. Aparentemente os algozes de Alboíno conseguiram escapar após a exitosa consumação do assassinato, mas Rosamunda tinha outras maquinações secretas. Ela traiçoeiramente envenenou Helmechis, mas o escudeiro percebeu que foi enganado e conseguiu imobilizar a mulher em quem confiou e que o convenceu a realizar um ato de elevado risco. Mesmo enquanto estava morrendo, já em suas últimas forças e fôlegos finais, ele fez Rosamunda beber uma dose do próprio veneno. 

Apesar de ter conseguido realizar sua desejada vingança, Rosamunda não sobreviveu o bastante para saborear a destruição do marido que ela tanto odiava.


Referências: