Londres, 18 de fevereiro de 1838, 9 horas da noite. Alguém bateu à porta de Jane Alsop, em Bearbinder Lane, deixando-a preocupada pela visita inesperada. Apesar do receio, ela abriu porque a pessoa do outro lado se anunciou como um agente policial. Ainda nervosa, ela nem reparou com atenção no homem à primeira vista. Ele disse que precisava de luz para averiguar algo na rua naquela noite escura. Jane correu para dentro em busca de uma vela, mas ao voltar à porta o estranho se revelou, abrindo sua capa preta e exibindo uma aparência aterradora com seus olhos flamejantes e expelindo uma chama azulada e clara de sua boca. O ser se aproximou, exibindo suas longas garras metálicas e atacou Jane, que escapou do golpe milagrosamente. Desesperada, ela gritou por socorro e, do interior da residência, surgiu sua irmã, que também entrou em pânico diante daquela figura que vestia uma espécie de roupa colada ao corpo, algo feito de um material diferente, liso e semelhante a um óleo ou algo impermeável. A gritaria das mulheres afugentou o ser, que foi embora numa velocidade inacreditável.
As autoridades foram reportadas a respeito do incidente, assim como a imprensa, que divulgou o alarmante e perturbador relato das mulheres, descrevendo em detalhes os aspectos do peculiar episódio. Mesmo sendo um caso tão estranho, não foi a primeira vez que o agressor misterioso teve suas características alardeadas ou notificadas para os oficiais da cidade e para o grande público. Meses antes, Mary Stevens, outra mulher londrina, relatou que foi abordada na rua violentamente pela mesma figura sinistra, que chegou a rasgar sua roupa e, por sorte, apenas conseguiu lhe causar ferimentos superficiais com suas garras frias e afiadas. Assim como Jane, Mary gritou em choque, atraindo a atenção de pessoas nas proximidades, provocando a fuga do estranho predador, que se afastou rapidamente dando um salto impossível para um ser humano comum. Entre a abordagem contra Mary e a visita à Jane, outras denúncias da aparição da tal figura enigmática e medonha foram reportadas, mas quem ou – pior – o que seria ele? Um maníaco? Um bandido excêntrico? Um demônio?
Circulava uma alcunha para identificar a bizarra ameaça: Spring-heeled Jack, nome que virou sinônimo de medo e que caracterizava uma de suas habilidades sobre-humanas, a capacidade de fugir em um salto (“spring-heeled” refere-se aos “calcanhares com molas”). A força policial e o Lord Mayor (prefeito) de Londres, Sir John Cowan, já colecionavam queixas, mas lidavam com racionalidade e precaução a respeito do caso, considerando a plausível situação de exageros nos relatos. Apesar disso, investigações foram realizadas para desvendar a situação. As hipóteses das autoridades eram a possibilidade de uma série de brincadeiras de péssimo gosto ou a ação deliberada de causar pânico e desestabilizar a comunidade. Depois do incidente na casa de Jane Alsop, a polícia até chegou a prender um certo Thomas Millbank, um desordeiro notório, mas o suspeito foi solto porque ninguém conseguiu provar que ele era capaz de realizar os atos denunciados, considerando a natureza extraordinária dos relatos.
Sem a elucidação do mistério, outras aparições e denúncias foram surgindo e amplificados pela cobertura sensacionalista da imprensa no decorrer de 1838. As notícias chegaram além de Londres e, assim como elas, os relatos de aparições acabaram também ocorrendo em outras cidades. Teorias, rumores e especulações sobrenaturais rondavam a figura enigmática de Spring-heeled Jack.
Apesar da curiosidade e do pânico, com o tempo os relatos foram diminuindo e o interesse coletivo a respeito de Spring-heeled Jack foram diminuindo, apesar da persistência de ocasionais relatos de aparições ao longo dos anos, chegando a ter seu último registro em 1904.
As histórias de Spring-heeled Jack, que partiram dos relatos orais para a divulgação apelativa da imprensa, foram parar nas “penny dreadfuls”, populares narrativas fantasiosas de que eram publicadas e encenadas para entretenimento. O ente saltador de garras metálicas, olhos acesos, que vomitava fogo branco e vestia um figurino inusitado é uma curiosa lenda urbana do século XIX, uma dessas figuras ou entidades associadas a eventos estranhos afastados da realidade e tão firmes na imaginação coletiva que, por um período, foi capaz de proporcionar um medo real nas pessoas.
Referências:


[…] Spring-heeled Jack: Uma Lenda Urbana que Atormentou Londres no Século XIX […]