Elena Cornaro Piscopia, a primeira mulher a obter um título de doutorado

(Representação visual desenvolvida pela IA Leonardo)

A participação feminina nos círculos científicos e intelectuais era limitada no século XVII por força das circunstâncias de desigualdade que prevaleciam na época. As normas de gênero restringiam a autonomia das mulheres, que eram condicionadas a um patamar inferiorizado e dependente dos homens. As instituições contribuíam para a permanência desta situação, pois as universidades mantinham rígidas normas para impedir o acesso de mulheres. Apesar de todas as condições desfavorável, algumas conseguiram extrapolar os papéis socialmente atribuídos a elas e marcaram presença resistente e ousada nos meios dominados pelos homens. Uma dessas mulheres eruditas foi a filósofa italiana Elena Cornaro Piscopia.

Nascida em 5 de junho de 1646, em Veneza, ela era uma abastada mulher da alta sociedade, condição que favoreceu sua atuação desbravadora. Seu pai, Giovanni Battista Cornaro, era uma destaca figura da administração veneziana, exercendo o cargo de procurador, embora sua mãe, Zanetta Giovanna Boni, não fosse uma mulher de origens aristocratas. Quando menina, Elena era capaz de demonstrar uma habilidade muito incomum para aprender e seu pai não quis desperdiçar sua capacidade, proporcionando o acesso a uma educação no âmbito doméstico repleta de conhecimentos avançados, contratando tutores para preparar sua filha. Ela dominou as línguas clássicas, latim e grego, mas foi além e também aprendeu hebraico, espanhol, francês e árabe, então tão fluente que foi chamada de “Oraculum Septilingue”, o Oráculo de Sete Línguas.

Ela tinha notáveis aptidões musicais e aos 17 anos já era considerada uma musicista completa, virtuosa no cravo, harpa, violino e clavicórdio. E, além dessas aptidões, também mergulhou nas complexidades da matemática e nas profundezas das reflexões teológicas e filosóficas, tornando-se uma mulher de erudição impressionante mesmo ainda em plena juventude.

Diante de tamanha desenvoltura com o conhecimento, seria outro desperdício se ela não avançasse ainda mais em sua formação, assim a barreira de gênero da educação universitária precisaria ser desafiada. Elena ingressou na Universidade de Pádua, tendo desempenho notável em tudo o que fez, mas a Igreja Católica acabou interferindo na conclusão de seus estudos, atuando para negar a conceção de seu título como doutora em teologia. O motivo era claro: ela era mulher.

A persistência de seu pai e de acadêmicos entusiastas da obstinação de Elena foi decisiva para impor à Igreja a decisão de conceder a merecida exceção, desta vez no doutoramento em filosofia. Ela defendeu sua tese na Catedral de Pádua porque a sala de conferências da universidade não conseguia conter tantos expectadores quanto o público que compareceu para prestigiar sua apresentação sobre o pensamento aristotélico. Ela conseguiu com honras o título de Doutora em Filosofia, sendo a primeira mulher a conquistar este feito, em 1678.

Depois de formada, ela atuou como musicista, proferiu aulas magnas e decidiu atuar como oblata beneditina, vivenciando a devoção cristã e servindo à causa religiosa sem fazer votos monásticos. Ela morreu em 1684, acometida pela tuberculose, aos 38 anos de idade, em pleno vigor intelectual e diante de um potencial extraordinário que acabou não sendo ainda mais exercido e reconhecido. Mesmo assim, seu exemplo notável e inspirador transgrediu as expectativas para uma mulher no século XVII.


Referências: