O domínio espanhol sobre as terras indígenas foi intenso, violento e complexo, contando com a atuação de militares, agentes do governo, negociantes, colonos interessados nas possibilidades de enriquecimentos nas distantes regiões do Novo Mundo e do clero católico. A ilha de Hispaniola, atual República Dominicana, foi a primeira área explorada, o que teve início com a chegada de Cristóvão Colombo por lá, em 1492. Além das atividades extrativistas predatórias para obter lucros, os europeus introduziram na ilha o cultivo de cana que requeria grande número de trabalhadores, o que motivou a adoção da escravidão de indígenas e africanos.
Foi adotado inicialmente o sistema de encomienda, que consistia na distribuição de grandes lotes de terras para exploradores, que deveriam dominar os nativos e impor a fé cristã. Os povos Taínos, habitantes indígenas da ilha, sofreram profundamente com a presença dos invasores, que expulsavam comunidades originárias de suas terras ancestrais, forçavam o trabalho em condições extremas e também contagiaram os indígenas, que sofreram drástica redução populacional em decorrência de epidemias de varíola e sarampo, moléstias até então inexistentes na região.
As tentativas de resistência indígena eram abordadas violentamente pelos espanhóis comandados pelo governador Nicolás de Ovando. As condições extremas de abusos revelaram também lideranças que se insusgiram contra a situação e comandaram levantes importantes. Um desses líderes foi o nativo Guarocuya, conhecido como Enriquillo.
Filho de um cacique taíno morto pelos espanhóis, acabou indo parar sob os cuidados dos monges franciscanos em 1503. O menino recebeu instrução religiosa, sendo alfabetizado, convertido ao cristianismo e recebendo o nome europeu de Enrique, sendo usualmente tratado como Enriquillo (“pequeno Enrique”). Este tipo de tratamento dado aos descendentes dos chefes indígenas objetivava a facilitação da integração cultural dos nativos, mas não aliviava a exploração nem proporcionava garantia de proteção a quem passava por este processo e Enriquillo sentiu esta situação.
Já adulto e manobrado para ser um colaborador dos colonizadores, Enriquillo efetivamente cumpriu este papel por um tempo. Ele trabalhou em mineração e agricultura como mais um agente explorado, mesmo sendo preparado para falar a língua e seguir a religião dos espanhóis. Sua posição inferiorizada pelos dominadores impunha tratamentos indignos e o episódio catalisador de sua revolta foi o abuso sofrido sexual por sua esposa, Mencía, em 1519. Ele buscou reparação e justiça contra o autor da agressão, o filho do encomendero para quem trabalhava, mas percebeu que nativos que passavam pela integração eram tão negligenciados quanto qualquer outro indígena diante da desigualdade de direitos e garantias que favoreciam os espanhóis. O agressor de Mencía ficou impune e Enriquillo enfim compreendeu sua posição na relação entre dominadores e dominados.
Ele retirou-se da convivência com os espanhóis e foi para as montanhas de Bahoruco, onde voltou a conviver com seu povo. Reconhecido como descendente da nobreza indígena, como herdeiro do cacicazgo de Jaragua, ele logo assumiu a liderança dos nativos na região. Como cacique, ele tratou de unificar o seu povo ao organizar grupos que se dispersaram. Também realizou alianças com africanos foragidos que se organizavam em seus quilombos. Ele acabou no comando de um numeroso conjunto de guerreiros e pessoas livres dispostas a enfrentar os espanhóis e seus abusos.
Enriquillo era um estrategista talentoso, capaz de mobilizar seus comandados através de emboscadas guerrilheiras. O conhecimento do ambiente e a bem estruturada defesa de seu grupo asseguraram a continuidade de suas ações, forçando os espanhóis a firmarem um acordo de paz com os insurgentes em 1533. Sua comunidade vivia em relativa situação de autonomia e controlava uma significativa área mesmo com a insistência espanhola de não cumprir acordos que garantissem segurança e estabilidade para a região e seus habitantes. Enriquillo morreu três anos depois, tendo por volta dos 40 anos de idade, e sua rebelião ainda persistiu por alguns anos até ser sufocada pela intensificação da presença espanhola e não contar com uma liderança unificadora.


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