Os celtas constituíam um grande e variado grupo de tribos e se espalharam por vastas regiões na Europa durante a Idade do Ferro, originando povos como os Britânicos, Pictos, Gaélicos, Gauleses, Belgas, Helvécios, Celtiberos e Galaicos. Entre celtas britânicos, a tribo Brigante era a maior delas no primeiro século d. C. e estava estabelecida no norte da atual Inglaterra.
Os brigantes eram organizados em clãs liderados por seus chefes e que eram dotados de poder político e domínio sobre terras. Os líderes dos clãs faziam parte da nobreza brigante numa sociedade hierarquizada e no topo dela estava alguém que exercia um papel equivalente ao de um regente, embora a sucessão não fosse necessariamente hereditária porque estava associada aos arranjos entre os clãs. Mulheres poderiam ter participação nas altas instâncias do poder e a figura de Cartimandua evidencia isto como a mais conhecida liderança histórica dos brigantes.
Cartimandua reinou sobre a tribo dos Brigantes aproximadamente de 43 a 69 d.C. Mulher de origem nobre, sua ascensão ao poder ocorreu no contexto da presença romana na região, situação que pressionou várias tribos entre a oposição aos poderosos invasores ou a aceitar uma sujeição negociada. Diante desta circunstância de pressões internas pelas divergências tribais e externas pela ameaça romana, ela assumiu o poder como aliada do império, posição que evitava enfrentar diretamente um opositor poderes superiores. A diplomacia dos conquistadores ofereceu proteção militar contra os inimigos locais da rainha, sobretudo o seu ex-marido Venutius, que tentou usurpar seu trono. Com isso, a aliança favorecia sua posição e estabilidade no comando de seu povo e benefícios adicionais como o acesso a vantagens como promoção do comércio e acesso a recursos e armas romanas em troca da posição de dependência.
Seus casamentos também assumiram importantes repercussões políticas em seu governo. Seu primeiro marido foi o líder de clã e chefe guerreiro Venutius, que era também seu corregente. Venutius tinha sua própria base de apoio e interesse pelo poder, o que levou o casal a uma disputa pelo comando dos brigantes. Por ser uma aliada de primeira hora dos romanos e por ter combatido e entregue aos dominadores o líder da resistência, o guerreiro Caratacus, como prova de lealdade, Cartimandua contava com a simpatia imperial e com isso sua preservação no poder era crucial para os planos de dominação da Britânia. A política de “dividir para conquistar” implementada por Roma teve peso na posição estratégica de assegurar no poder uma liderança que fosse alinhada e isso ajudou a sufocar a rebelião precipitada por Venutius. Depois do divórcio a rainha tomou como consorte Vellocatus, ex escudeiro de Venutius, mas seu segundo marido não dividia o poder com ela.
Cartimandua permaneceu no poder desde a invasão dos romanos em 43 d.C sob o governo de Cláudio e manteve-se durante o comando dos imperadores Nero (54-68 d.C.), Galba, Otho, Vitellius (69 d.C.). Ela perdeu o trono justamente durante o tumultuado “Ano dos Quatro Imperadores”, quando a proteção romana foi afetada pelas questões do próprio império. A aliança política e militar com os romanos ajudava a preservar sua presença no poder apesar das divergências entre seu próprio povo e da divisão entre as demais lideranças brigantes desde o divórcio com Venutius, que assumiu a liderança de uma força rebelde composta por clãs dissidentes. Enquanto Roma estava envolvida em sua própria guerra civil, implicando no deslocamento das tropas que estavam em terras estrangeiras como a Britânia, Cartimandua deixou de contar com este importante reforço e acabou derrotada pelo ex-marido, que assumiu finalmente o poder.
O destino de Cartimandua é incerto pela falta de registros. A rainha fugiu para buscar abrigo em um forte romano e pode ter ficado em uma posição recuada em outra parte da Britânia ocupada pelos romanos ou é possível que tenha sido levada para Roma como uma exilada protegida.
As duas mais famosas rainhas celtas da Britânia Romana, Cartimandua e Boudica, possuem trajetos divergentes. Enquanto a primeira, da Tribos dos Brigantes, foi aliada e cooperou com a dominação romana, a segunda, da Tribo Iceni, virou um símbolo da resistência contra os invasores e promotora de uma sangrenta e aguerrida revolta em 60 e 61 d.C. – ao mesmo tempo que Cartimandua preservava seu poder na condição de apoiadora de Roma. Os legados de ambas são distintos, pois Boudica acabou celebrada pela posteridade como figura heroica contra a opressão estrangeira e Cartimandua figurou como uma controversa figura vinculada à subserviência aos romanos em benefício de seu próprio status.
Por outro lado, as complexidades das situações e dos contextos precisam de considerações antes das comparações. Ao aceitar o alinhamento a rainha brigante evitou o enfrentamento direto aos romanos, deixando de encarar forças superiores às suas em uma guerra que não conseguiria vencer. A tentativa de resistência de Boudica acabou sendo vencida ao custo de milhares de mortes entre seus aliados e de seu próprio fim através de um suicídio diante da constatação da derrota. Duas mulheres de poder e relevância histórica estiveram em condições opostas numa luta pela sobrevivência em um cenário de desafios e adversidades.
Referências:


[…] Cartimandua: Estratégias de poder de uma rainha celta na Antiga Britânia […]