A teocracia de Jan van Leiden: Utopia ou distopia?

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

Durante o turbulento contexto da Reforma Protestante uma onda de transformações e movimentações agitaram a Europa desafiando a Igreja Católica e inspirando novos segmentos religiosos. Neste cenário surgiram os Anabatistas, segmento mais radical da tendência estabelecida pelo teólogo suíço Ulrico Zwinglio (1484-1531). O mais notável e controverso líder dos anabatistas foi o holandês Jan van Leiden, que mobilizou a organização de uma comunidade baseada nos princípios doutrinários de sua fé.

Van Leiden nasceu em 1509 e seu nome real era Jan Bockelson. Ele era filho ilegítimo de uma liderança política da região em torno da cidade de Leiden e por sua condição de bastardo tinha uma posição social modesta. Ele chegou a trabalhar como aprendiz de alfaiate e teve como distração o desenvolvimento amador de peças teatrais, mas acabou se envolvendo intensamente no cenário do protestantismo que se alastrava pela Europa. Em 1533 ele se estabeleceu em Münster, na Alemanha, já adepto do anabatismo. Os anabatistas defendiam o batismo na fase adulta e certos princípios inspirados nos primeiros cristãos e por isso acreditavam representar a forma mais pura do cristianismo, sendo ainda contra o cumprimento de juramentos, prestação de serviço militar e obediência a autoridades além da comunidade. Os anabatistas figuravam numa posição complexa, criticados tanto pelos católicos quanto por outros segmentos protestantes, situação que fazia deles alvos evidentes de perseguições.

Em Münster foi constituída uma comunidade anabatista que atraía muitos seguidores motivados pela possibilidade de que o local fosse sagrado para o advento do “fim dos tempos”. A comunidade foi fundada por Jan Matthys, considerado um profeta por seus seguidores. Ele foi o guia espiritual que introduziu e batizou Van Leiden como anabatista, reconhecendo no novo aliado o potencial de liderança que ajudaria a promover seus ideias.

Após a morte de Matthys, Van Leiden, que era um carismático e ativo membro do grupo, ascendeu à condição de condutor dos fiéis. Ele buscou promover ainda mais a mensagem religiosa da comunidade e trabalhou para aumentar a quantidade de adeptos. Seu governo em Münster foi centralizado e autocrático, transformando a cidade numa teocracia onde as leis religiosas regiam todos os aspectos da vida cotidiana, desprezando as regras vigentes além de Münster e criando uma espécie de Estado paralelo autônomo.

O autoproclamado “Rei de Nova Jerusalém” era juiz, regente, sacerdote e regulador de cada detalhe sobre padrões de vestimenta, condutas e papéis na sociedade. Era inadmissível a contestação ao líder, que determinava duras penas para quem o desafiava, sendo os dissidentes qualificados como hereges. A sociedade anabatista de Münster consagrava práticas como a poligamia sob a justificativa de que este arranjo estava de acordo com o vivido pelos patriarcas bíblicos. O próprio Van Leiden tinha várias esposas e chegou a executar uma delas em praça pública por insubordinação.

A situação em Münster não passou despercebida, pois os anabatistas tomaram efetivamente o controle da cidade e expulsaram os antigos moradores que não seguiam a doutrina. O regime imposto na sociedade também mobilizou preocupações por parte das autoridades, que resolveram tomar providências. Foi montado o Cerco de Münster (1534-1535), iniciativa para acabar com o domínio Van Leiden e sob a liderança do príncipe-bispo Franz von Waldeck uma força militar sitiou a cidade. Diante do isolamento forçado a comunidade começou a sentir o efeito das privações como a falta de alimentos e proliferação de doenças enquanto internamente crescia a insatisfação em relação ao governo de Van Leiden, que não cedia nem aliviava suas pressões e controle sobre a população.

A cidade acabou sendo invadida pelas forças conduzidas pelo bispo, que massacraram quem resistiu. O líder anabatista e seus mais destacados colaboradores, Bernd Knipperdolling e Bernd Krechting, acabaram sendo detidos e depois duramente torturados até a morte. Seus corpos ficaram em exibição em gaiolas penduradas na torre da Igreja de São Lamberto para demonstrar a severidade contra eventuais rebeldes. Jan van Leiden tinha 27 anos por ocasião de sua execução.


Referências: