Libertinagem, lutas e lirismo: A vida agitada de Julie d’Aubigny

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

La Maupin, nome pelo qual ficou conhecida Julie d’Aubigny, fez sucesso como artista e esgrimista na França do século XVII, mas além da popularidade ela também experimentou confusões, dramas e lutas por afirmação de sua identidade. Nascida em 1673, ela era filha de Gaston d’Aubigny, que foi assessor do rei Luís XIV. Por causa da posição de seu pai, ela cresceu próxima da corte mesmo não sendo uma nobre e acompanhou os treinamentos que seu pai dava aos novos funcionários do palácio. Foi com Gaston, habilidoso esgrimista, que ela aprendeu a manejar a espada e acabou superando seu mestre.

Ela era uma pessoa inquieta e impulsiva e aos 14 anos fugiu de casa com um certo Séranne, que matou um homem durante um duelo ilegal. Os dois passaram a vagar pelo interior do reino fazendo apresentações de rua com performances teatralizadas de esgrima. A jovem e transgressora Julie começou a usar roupas masculinas para as exibições e acabou tomando gosto pelo hábito, passando a adotar o estilo em sua vida cotidiana enquanto diversificava seus talentos e chamava a atenção por causa de sua presença de palco, desenvoltura e expressividade. Ela acabou se revelando uma cantora de bastante potencial, o que incrementou seu trabalho artístico e abriu portas para um notável crescimento de sua carreira.

Ela passou a se apresentar em casas de ópera importantes como a de Marselha e a de Paris, desempenhando nos palcos papéis importantes em obras conceituadas. Seus ganhos também progrediram, pois seu público agora era constituído por gente da alta sociedade e não era mais uma artista errante que se apresentava nas ruas, feiras e em casas de reputação suspeita. Nesta fase de sua vida artística teve a oportunidade de conhecer e firmar importantes vínculos com pessoas influentes e poderosas no reino, o que também foi útil para obter favores como se livrar de implicações dos delitos que praticara ao longo de sua vida, pois problemas com a lei eram comuns para ela, que se metia em brigas e em duelos ilegais que acabava vencendo por ser excelente esgrimista.

Sua vida pessoal era turbulenta, com envolvimentos variados, complicados e até proibidos. Ela era abertamente bissexual e tinha uma postura liberada e promíscua, um verdadeiro escândalo comportamental na época – principalmente para uma mulher. Ela chegou a se casar por pouco tempo com um cidadão chamado Sieur de Maupin, de quem herdou o sobrenome que virou identidade artística, mas relacionamentos estáveis e padronizados não eram seu estilo. La Maupin colecionou amantes homens e mulheres, pobres e nobres, e chegou a realizar feitos extravagantes movida por sua volátil disposição amorosa.

Num desses casos ela se envolveu com uma jovem contra a vontade dos pais da amante, que por isso colocaram a moça num convento. A incansável La Maupin não aceitou este desfecho e se disfarçou de noviça para entrar na instituição religiosa com o propósito de resgatar sua paixão da ocasião. No convento, ela encontrou uma irmã falecida cujo corpo aguardava as providências fúnebres e resolveu transformar a situação numa oportunidade, levando o cadáver para o quarto de sua amante e provocando um incêndio no recinto para que pensassem que a moça morreu em decorrência do incidente enquanto as duas fugiam juntas. A situação causou indignação e La Maupin foi condenada à morte num julgamento sem sua presença, mas acabou conseguindo fugir da aplicação da sentença.

La Maupin foi finalmente afetada por um verdadeiro amor quando se envolveu com a Madame la Marquise de Florensac, uma aristocrata conhecida por sua beleza e gentileza. Por causa deste relacionamento, Julie mudou seus hábitos e encontrou paz e estabilidade. A felicidade não foi duradoura, pois a sua mulher morreu 1705 e ela ficou tão desolada que resolveu abandonar a carreira, o convívio social e a vida pecaminosa, buscando refúgio em um convento, onde morreu dois anos depois, aos 33 anos de idade.

Se hoje escândalos de figuras famosas no mundo do showbiz ainda causam furor, o que dizer da vida desta estrela da ópera do século XVII?


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