Agnes Waterhouse, uma vítima da caça às bruxas no século XVI

(Representação visual gerada pelas IAs DALL-E e Leonardo)

O fenômeno de caça às bruxas foi produto de um complexo contexto de fanatismo religioso, controle social, paranoia e histeria coletiva. Mulheres acabaram em situação vulnerável diante de acusações por variadas razões, pois em sociedades patriarcais cujas regras e padrões estabelecidos frequentemente se baseavam em fundamentos misóginos, o comportamento feminino estava sujeito controles abusivos e marginalização.

Na Inglaterra do século XVI as perseguições estavam em alta e as regras legais favoreciam isso. Em 1562 foi decretado que a prática de bruxaria era um crime que poderia ser punido através da aplicação da pena de morte, o que impulsionou a formalização de acusações. Crendices em vigor na época vinculavam as bruxas ao poder demoníaco e atribuíam a elas habilidades sobrenaturais como a capacidade de voar, de se comunicar com entidades malignas e de enfeitiçar pessoas para causar diversas possibilidades distúrbios físicos e espirituais. A impossibilidade de provar tais espécies de acusações não importava diante da disposição do sistema punitivo de condenar as supostas bruxas e muitas mulheres inocentes foram brutalmente executadas.

Uma das primeiras mulheres executadas na Inglaterra sob a Lei de Bruxaria de 1562 foi Agnes Waterhouse, enforcada em 29 de julho de 1566. Nascida em 1503, a mulher fazia parte da numerosa classe baixa da sociedade inglesa, vivendo nas típicas condições precárias dos pobres que precisavam se submeter a duras jornadas de trabalho. Como mulher sua rotina provavelmente estava centrada na execução de tarefas domésticas e cuidados com os filhos, eventualmente desempenhando algum tipo de trabalho remunerado para sustentar sua família.

São desconhecidos os detalhes sobre a vida de Agnes antes da alegada experiência com as obscuras artes da bruxaria, mas sabe-se que ela já era uma mulher viúva quando atraiu a atenção dos acusadores. A Inglaterra poderia estar sob a regência de uma mulher, pois a rainha Elizabeth I comandava o reino com pulso firme, mas uma viúva pertencente à camada pobre da população naquela sociedade patriarcal não tinha uma vida fácil, enfrentando a vulnerabilidade social e econômica de conduzir uma casa sem o comando de um homem. Assim como ela, outras viúvas também eram alvos fáceis para quem insistisse em identificar nelas a condição suspeita de bruxaria.

Embora não existam registros de que Agnes sofreu pressões indevidas tal possibilidade pode ser especulada, pois habituais as ocorrências de casos de pessoas acusadas de práticas obscuras que não tinham oportunidades ou meios para se defender e ainda precisavam suportar abordagens radicais para obter confissões. Muitas das condenações foram baseadas em depoimentos obtidos por meio da aplicação de torturas físicas e psicológicas que praticamente obrigavam os acusados a confirmarem aquilo que os acusadores queriam ou esperavam.

Agnes Waterhouse confessou que adotava práticas obscuras e sobrenaturais para enfeitiçar. Ela disse que tinha um “familiar”, espírito das trevas que assumia a forma de animal, como seu companheiro e auxiliar em sua atuação profana. Esta entidade era inicialmente um gato falante chamado Satã, que depois de um certo tempo tomou a forma de um sapo. Segundo a confissão, doenças foram propagas em desafetos por meio da feitiçaria, mas ela negou que tenha matado qualquer pessoa recorrendo às forças sombrias da bruxaria. A mulher teria ainda reconhecido que fez o familiar prejudicar a criação de porcos de um vizinho, a produção de manteiga de outro e até estragou a cerveja de mais um.

Durante a coleta de depoimentos de acusação foram implicadas no mesmo processo uma certa Elizabeth Francis, mulher que foi a original dona do gato Satã e que passou o bichano sinistro para Agnes em troca de um bolo, e Joan Waterhouse, filha de Agnes, acusada de usar um familiar sapo para assustar e manipular crianças. O desfecho do julgamento terminou com a absolvição de Joan e com a aplicação de uma pena leve sobre Elizabeth, que acabou executada 13 anos depois por causa de um novo processo por prática de bruxaria. Agnes não foi perdoada e recebeu uma severa sentença mortal, arbitrária e injusta, configurando uma notória situação do absurdo que representou a insana caça às bruxas entre os séculos XV e XVII.


Referências: