Hildegard von Bingen, uma freira mística e científica na Idade Média

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Durante a Alta Idade Média as mulheres tinham em geral poucas oportunidades de expressão e exercício de papeis intelectuais numa sociedade dominada por homens, mas a alemã Hildegard von Bingen conseguiu ser uma exceção. Nascida por volta de 1098 em uma família detentora de um status confortável na baixa nobreza, ela acabou seguindo um caminho que não era incomum entre mulheres de sua posição social e ingressou na vida religiosa como freira beneditina aos 15 anos de idade no convento de Disibodenberg. O que a tornava ainda mais vocacionada para a religiosidade era o fato de que desde criança era atribuída a ela uma capacidade de ter visões místicas reveladoras. Ela logo conquistou a posição de prioresa do convento, assumindo a liderança de sua comunidade religiosa com dedicação. Além disso, seu dom místico chamou a atenção e mereceu reconhecimento da Igreja, mobilizando o acompanhamento especial do bispado local e de teólogos proeminentes. 

Suas visões eram interpretadas como revelações divinas e foram registradas na obra “Scivias”, que tratavam de temas como a criação, a redenção e o fim dos tempos. Seu objetivo era compartilhar com as pessoas o conteúdo de suas visões, difundindo ensinamentos para elevar a experiência com a fé através do que ela chamou de “viriditas” ou “verdor”, noção de que a renovação é uma necessidade fundamental para a relação com Deus.

A irmã também recorreu à música para difusão da religiosidade, compondo hinos, cantos litúrgicos e outras categorias de obras religiosas com melodias elaboradas que iam além do tradicional canto gregoriano, incorporando instrumentos e letras poéticas com mensagens e ricos ensinamentos teológicos.

Sua reputação era tão elevada que ela saiu de Disibodenberg e se aventurou a fundar os conventos de Rupertsberg (em 1150) e Eibingen (em 1165), tendo comandado ambos na condição de abadessa. Outra evidência de seu prestígio era a seleta lista de pessoas com quem ela se correspondia através de uma ativa troca de cartas, incluindo reis, rainhas e elevadas autoridades eclesiásticas. Sua atividade e prestígio também resultaram em convites para promover pregações em diversos lugares, o que era uma prática incomum para uma mulher em sua época.

A agitada rotina da irmã Hildegard ia além dos temas e interesses religiosos. Ela foi uma cientista de seu tempo, estudando em profundidade medicina e botânica, sendo reconhecida como a a fundadora da história natural científica na Alemanha. Ela entendia que a saúde dependia do equilíbrio entre os cuidados com o corpo e o bem-estar mental e recomendava cuidados alimentares através de um minucioso estudo sobre as propriedades nutrientes e curativas dos vegetais, elaborando uma relação de plantas e suas propriedades medicinais. Além de seu estudo sobre nutrição, ela abordou cuidados e procedimentos para tratar de inflamações e fez um levantamento de itens e preparos para a produção de medicamentos. Muitas de suas prescrições e estudos sobre algumas plantas foram confirmados posteriormente por herbalistas modernos. Seu conhecimento medicinal estava diretamente conectado ao seu estudo de botânica, que ela explorou analisando inúmeras espécies vegetais, identificando morfologia, habitat, germinação e ciclo de vida das plantas. Ela apresentou em plena Idade Média conceitos e preocupações ambientalistas com séculos de antecedência, sendo uma pioneira também neste campo. Sua obra “Physica”, uma espécie de enciclopédia, reúne suas contribuições para a ciência.

Hildegard von Bingen morreu em 1179, aos 81 anos, em Bingen am Rhein, na Alemanha. Segundo o que se falava, ela já sabia quando iria morrer porque conseguiu prever qual seria seu último dia e antes do momento final ela providenciou uma reunião com as demais irmãs de religião para poder se despedir. Em 2012 ela foi canonizada, proclamada santa pelo Papa Bento XVI. Ela foi uma mulher da fé, da ciência, da arte e da filosofia, uma figura que destoava das expectativas para uma mulher medieval. 


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