Durante o século XVIII o iluminismo ressaltou o conhecimento e a razão como fundamentais para o desenvolvimento da sociedade, ressaltando a importância da educação e a necessidade de alfabetizar a população. Apesar disso, era muito comum na época a restrição do acesso à instrução formal, dificuldade acentuada quando o público atendido era o feminino. Na cidade espanhola de Zaragoza, por exemplo, a situação era particularmente limitante, pois a população inteira chegou a dispor de apenas dez mestres alfabetizadores que atendiam em suas próprias residências ou que prestavam serviços em locais específicos, como nas casas das famílias que contratavam seus serviços. E os educadores somente atendiam meninos. As intervenções governamentais e atuação de figuras de poder e influência local estabeleceram as primeiras instituições educacionais, onde os mestres escolares passaram a trabalhar e já naquela situação recebendo baixas remunerações pelos serviços prestados, pagos pelo erário público ou pelas famílias dos meninos atendidos. Foi diante desse contexto que a que a matemática e educadora María Andresa Casamayor de La Coma (1720-1780) atuou de maneira transformadora e desafiadora.
Ela nasceu em uma abastada família que vivia do comércio de tecidos na cidade e foi educada em casa, ao lado dos irmãos. O fato de seus pais, Juana Rosa de La Coma e Juan Joseph Casamayor, serem de origens francesas influiu sobre a criação diferente dos costumes locais, assim ela recebeu uma educação atípica, conhecendo princípios científicos e matemáticos, enquanto as moças da comunidade zaragozana não eram alfabetizadas, mas aprendiam artes domésticas, costura e recebiam os fundamentos religiosos para serem esposas, mães e devotas católicas. Além do acesso a esta abordagem, María Andresa revelou-se um prodígio, apresentando habilidades matemáticas elevadíssimas.
Com apenas 17 anos, ela publicou, em 1738, a obra “Tyrocinio Arithmetico, instrução das quatro regras simples”, um moderno manual de apurada qualidade pedagógica possibilitando o aprendizado matemático de maneira prática. Ela considerou o uso de sua obra como instrumento educativo e profissional, sobretudo voltado para quem estava se preparando para trabalhar em atividades mercantis. Apesar de seu livro ter sido posteriormente reconhecido como a primeira publicação científica espanhola elaborada por uma mulher, a autora utilizou pseudônimo masculino na ocasião, assinando a obra como Casandro Mamés de La Marca y Araioa (um anagrama inteligente a partir de seu verdadeiro nome). A jovem matemática não tomou essa decisão à toa, pois fatores sociais e culturais impunham restrições para a expressão intelectual das mulheres, sobretudo em campos dominados por homens. O preconceito de gênero fez com que mulheres adotassem falsos nomes masculinos ou omitissem suas identidades por trás do anonimato para que seus trabalhos intelectuais fossem levados a sério num universo masculino, evitando assim a imediata desconsideração de suas produções por parte dos editores e do público.
Além do apoio paterno, ela obteve o suporte e incentivo do respeitado professor Pedro Martínez, reitor e regente do Colégio de San Vicente Ferrer de Zaragoza, mas ambos morreram no ano seguinte à publicação do livro. Sem seus principais apoiadores, María Andresa perdeu o suporte financeiro do pai e a articulação do professor que descobriu seu talento e viabilizou as providências editoriais. Ela chegou a elaborar seu segundo livro, um estudo aritmético avançado, mas não conseguiu publicar. Sem apoio em um âmbito que não admitia mulheres, conseguiu uma licença para poder atuar como mestra se dedicou ao magistério, ensinando crianças. Foi defensora da instrução de meninas e decidiu não casar nem seguir a vida religiosa, opções disponíveis para as mulheres em sua comunidade. Ela trabalhou como professora pública recebendo uma remuneração precária e morava sozinha em uma modesta casa cedida pela prefeitura como parte da contrapartida por seus serviços e lá também recebia suas alunas.
Referências:


[…] María Andresa Casamayor de La Coma e as dificuldades da atuação intelectual feminina no século X… […]