A morte pode ser consumida disfarçadamente pelo corpo através de substâncias fatais servidas ardilosamente. As vítimas sequer percebem o perigo até sentirem os agoniantes efeitos da química mortal que foi ingerida. A história criminal tem vários registros de assassinatos que foram realizados por meio do envenenamento, um eficiente método de eliminação de pessoas de uso tão longínquo quanto variado. Matar através de veneno requer ações prévias que contam com o desfecho da vítima se deixar contaminar pelo elemento mortífero capaz de causar um colapso no corpo.
O fato de mulheres estarem associadas a rotinas como o preparo da alimentação e outros tratos domésticos, além dos cuidados com doentes, foi visto como uma condição facilitadora para o emprego discreto de venenos administrados através de suas rotinas, evitando a necessidade de abordagens diretas de maneira agressiva ou evidente para atingirem seus alvos, sendo desnecessário o confronto físico ou emprego de força e dificultando a possibilidade de elucidação do crime. Com isso foi reforçada a noção de que veneno seria preferencialmente “arma de mulher”, ideia problemática, mas que ficou bastante presente no senso comum e que foi reforçado pela literatura, que reuniu casos notórios de figuras femininas por trás de sinistros episódios de crimes misteriosos e fatais efetivados através do emprego de misturas e preparos venenosos. .
Para muitos essa alegada inclinação das mulheres em relação ao uso de venenos ia além da praticidade e isso nem seria uma possibilidade extraordinária, afinal, bruxas não eram habilidosas na preparação de suas poções por acaso. Só poderia haver algo da natureza feminina por trás disso. Ao santo católico Alberto Magno (1193-1280) foi atribuída a autoria da obra “De secretis mulierum” (“Sobre os segredos das mulheres”), que discorre sobre a biologia feminina por meio de elementos supersticiosos e francamente absurdos, nada diferente daquilo que homens religiosos da Idade Média achavam sobre as mulheres. No livro medieval, as mulheres chegavam até a ser vistas como “naturalmente” venenosas, já que a menstruação era composta for fluidos que poderiam infectar outras pessoas, causando males como lepra, tremores e até a morte.
Vistas como fracas, as mulheres poderiam ser extremamente perigosas como praticantes de meios enganosos e nada mais viável do que os venenos para a consumação dos atos perversos que podem maquinar para matar.
Esse mito da mulher envenenadora não se sustenta seguramente diante de evidências. Um levantamento realizado nos EUA comprovou que entre os crimes praticados por emprego de veneno de 1980 a 2008, homens corresponderam a 60,5% dos autores das intoxicações propositais contra 39,5% de mulheres. Apesar disso, a desproporção entre outras modalidades de homicídios entre homens e mulheres é ainda mais acentuada na conta masculina, como 92,1% de homens que cometeram homicídios por arma de fogo contra apenas contra 7,9% de mulheres que recorreram ao mesmo modo de matar. Aparentemente, a situação do contexto rotineiro e os riscos do confronto físico não são fatores totalmente descartados para o favorecimento do envenenamento como método homicida disponível para mulheres.
As estatísticas contemporâneas podem não servir para desmontar totalmente o mito da mulher envenenadora, mas certamente é possível entender que homens também recorreram aos insumos venenosos ao longo da história. Apesar disso, os casos das assassinas que empregavam doses e pitadas de morte para eliminar outras pessoas inegavelmente são mais chamativos.
Clique nos links e conheça algumas envenenadoras mortíferas destacadas em posts publicados em HistóriaBlog:
Anula de Anuradhapura (? – 42 a.C)
Rainha de Rajarata, no atual Sri Lanka, que assassinou cinco maridos para manter seu poder. Após matar seu primeiro marido, o rei Chora Naga, ela envenenou sucessivos reis: Kuda Tissa, Sivia, Darubathika Tissa e o sacerdote Niliya.
Agripina (16 d.C – 59 d. C)
Figura central no Império Romano, neta de Augusto, irmã de Calígula, esposa de Cláudio e mãe de Nero. Ambiciosa e influente, conspirou para garantir o poder de Nero, incluindo a suspeita de envenenar Cláudio. Sua interferência no governo de Nero levou a conflitos intensos, culminando em seu assassinato ordenado pelo próprio filho em 59 d.C.
Locusta (? – 69 d.C.)
Envenenadora gaulesa que influenciou a política romana no século I. Ela ajudou Agripina a envenenar o imperador Cláudio, permitindo que Nero subisse ao trono. Nero usou seus serviços para eliminar rivais, incluindo Britânico. Após a morte de Nero, Locusta foi capturada e executada. Ela é lembrada por seu papel nas intrigas e assassinatos que moldaram o destino de Roma.
Giulia Tofana (? – 1660)
Envenenadora italiana do século XVII, responsável por até 600 assassinatos. Ela criou a Aqua Tofana, um veneno incolor e insípido, disfarçado como cosmético. Tofana ajudava mulheres a se livrarem de maridos abusivos, operando secretamente sob o disfarce de um negócio de cosméticos.
Marquesa de Brinvilliers (1630-1676)
A nobre francesa e seu amante tramaram mortes por vingança. Antes do cumprimento do objetivo de seus planos, testaram métodos e susbtâncias venenosas em dezenas de vítimas utilizadas como cobaias humanas.
La Voisin (1640-1680)
Nascida Catherine Deshayes, foi uma praticante de ocultismo e envenenadora na França de Luís XIV. Conhecida por realizar rituais, vender amuletos, poções e venenos, ela atendia a elite parisiense, incluindo Madame de Montespan, amante do rei. Envolvida no “Caso dos Venenos”, La Voisin foi acusada de bruxaria e envenenamento, resultando em sua execução na fogueira em 1680.
Anna Margaretha Zwanziger (1760-1811)
Após um casamento infeliz, tornou-se governanta e envenenou diversas vítimas, incluindo empregadores e suas famílias, usando arsênico para controlar e prolongar seu sofrimento. Anna foi condenada à morte e executada por decapitação, chocando a sociedade da época ao revelar que uma figura aparentemente inofensiva podia cometer grendes atrocidades.
Mary Bateman (1768-1809)
De uma ladra talentosa e vigarista que transformou seus golpes em um lucrativo negócio de falsos poderes místicos, sua vida criminosa culminou em envenenamentos e assassinatos que a levaram à forca.
Lavinia Fisher (1793-1820)
A bandida de estrada virou proprietária de uma pousada e articulou uma gangue de criminosos que atacavam os hóspedes. Ela envenenou suas vítimas com um chá que entorpecia ou simplesmente matava quem bebesse. Uma coisa era certa: Quem se servia da conversa e do chá oferecido por ela acabava em uma péssima situação.
Gesche Gottfried (1785-1831)
“O Anjo de Bremen” foi uma serial killer alemã que matou 15 pessoas, incluindo sua família, amigos e amantes, entre 1813 e 1827. Usando arsênico misturado à comida, ela envenenou suas vítimas, sempre sendo vista como uma mulher afetuosa e prestativa. Gottfried foi capturada em 1828 e executada publicamente em 1831. A “Pedra Negra” em Bremen marca o local de sua execução, onde pessoas cospem em repulsa à sua memória.
Hélène Jégado (1803–1851)
Notória serial killer francesa usava sua posição como cozinheira e envenenou pelo menos 36 pessoas ao longo de sua carreira. Sua primeira vítima conhecida foi um padre em 1833. Ela continuou a matar até ser capturada em 1851, após a morte de um advogado.
Referências:












