Ambroise Paré, um inovador que revolucionou a medicina no século XVI

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Ambroise Paré (1510-1590) foi um médico inovador e pioneiro em procedimentos cirúrgicos e prestou serviços para quatro reis franceses. Filho de um artesão, sua iniciação ocorreu como aprendiz de um cirurgião-barbeiro, praticante de uma medicina de menor complexidade e também de cuidados estéticos de realização de cortes de cabelo e barba, profissional comum na Europa desde a Idade Média e que não era reconhecido social ou institucionalmente como médico. Depois desta experiência, fez sua qualificação formal em medicina no hospital Hôtel Dieu, em Paris​.

Iniciou sua carreira no serviço militar, atuando no atendimento médico como cirurgião tratando feridos em batalha durante o cerco de Turim (1536), episódio das Guerras Italianas, contexto de tentativas de potências europeias, incluindo a França, de obter controle sobre os territórios da fragmentada Itália. A experiência como médico nestas condições foi importante para Paré e para a própria evolução da medicina, pois o então jovem médico ousou na aplicação de procedimentos considerados incomuns, mas que se provaram mais eficientes do que a prática habitual. Paré cauterizou ferimentos a bala recorrendo a uma composição diferente do uso de óleo fervente então usado como padrão, preparando uma mistura de gema de ovo, óleo de rosas e terebentina (também conhecida como aguarrás, produto da destilação de resinas de pinheiros) embebidos em bandagens, substituindo o doloroso e perigoso método do óleo e com resultados muito melhores. Ele também adotou métodos mais seguros para a realização de amputações, introduzindo a providência de promover ligaduras (amarrar vasos sanguíneos) para conter hemorragias e ainda aperfeiçoou métodos para lidar com fraturas.

Depois de seu tempo como médico militar e com uma boa reputação profissional, Ambroise Paré foi admitido no corpo de medicina real, o que lhe colocou na condição especial de médico dos reis Henrique II, Francisco II, Carlos IX e Henrique III. Durante esta fase o prestígio em sua carreira e condições de trabalho foram elevados, apesar de sua posição religiosa durante um cenário de tumultos, pois Paré era um huguenote (protestante reformado) em uma corte católica, o que lhe obrigava até a fingir sua fidelidade à Igreja de Roma, inclusive casando e batizando seus filhos conforme os ritos católicos. Num episódio marcante, quando estourou o Massacre da Noite de São Bartolomeu, em 24 de agosto de 1572, ato extremo da guerra religiosa na França em que protestantes foram brutalmente assassinados numa ação orquestrada, o próprio rei Carlos IX tratou de proteger seu médico, escondendo o doutor Paré em seu armário de roupas para evitar que ele viesse a ser atacado. O devotado médico insistia que atuava sob inspiração divina e sempre repetia aquele que era seu lema: “Eu tratei, mas Deus curou”.

Seus interesses pelos estudos médicos e científicos eram notáveis, levando o doutor Paré a explorar, além das abordagens cirúrgicas aprendidas durante os tempos de guerra, o desenvolvimento de próteses para melhoria da qualidade de vida de pessoas amputadas, sendo um revolucionário criador de artefatos para este fim. Suas próteses, além de práticas, eram confortáveis e altamente sofisticadas, a exemplo da mão mecânica que possibilitava ao usuário segurar objetos e ainda a perna com joelho articulado que possibilitava um andar praticamente natural. Seu interesse pelas próteses também envolveram o desenvolvimento de peças oculares e até faciais voltadas para pessoas que foram desfiguradas. O próprio Paré montava as peças com habilidade de um artesão refinado, remontando ao seu aprendizado inicial com o pai, utilizando materiais como metal, madeira, resinas, porcelana e couro.

Ele teve a preocupação de escrever uma obra médica variada, embora tenha recorrido ao francês e não ao latim como idioma, o que era visto com depreciação pela comunidade científica da época. Ele registrou em suas obras os detalhes de seus procedimentos, instruções para abordagens para o tratamento de ferimentos e diversas lesões, cirurgia dental, próteses, embora tenha se aventurado até a abordar sobre teratologia recorrendo a crendices fantasiosas para abordar os “monstros” (como se referiam aos casos de ocorrências de anomalias físicas).

Depois de uma vida dedicada à medicina inovadora e humanizada, Paré morreu de causas naturais aos 80 anos de idade, deixando um legado de pioneirismo.


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