Durante o período de intensa exploração de escravos nas colônias europeias na América, os franceses estipularam em 1723, durante o reinado de Luís XV, uma legislação específica denominada “Code Noir” (“Código Negro”). A cana-de-açúcar era o principal produto das ilhas franco-americanas, incluindo Saint-Domingue (Haiti), Guadalupe e Martinica, locais de intensa exploração do trabalho escravo, situação que tornou necessária a adoção de medidas para regular as relações entre colonos e cativos diante dos interesses da coroa francesa. A lei definia que escrava era a pessoa que estava sujeita a um estado de dominação no qual poderia ser possuída e controlada por um mestre. A lei tinha seu caráter racial, sendo taxativa ao declarar que pessoas brancas não poderiam ser escravizadas, pois apenas africanos negros e seus descendentes também negros ou mestiços poderiam ser submetidos à escravidão. Embora a lei não tratasse dos indígenas, sua abrangência a respeito da dominação escravista poderia também ter efeitos sobre nativos submetidos à escravidão.
Apesar de não terem direitos civis, a lei possibilitava algumas proteções aos escravos em certos aspectos. Deveriam ser suficientemente alimentados com direito a carnes em suas refeições, deveriam receber vestimentas anualmente, em caso de doença e na velhice deveriam receber cuidados adequados, seus corpos deveriam ser adequadamente sepultados cemitérios sagrados, não poderiam ser submetidos ao trabalho aos domingos nem em dias santos e não poderiam ser submetidos a tratamentos abusivos ou punições que causassem mutilações e morte. Os senhores eram passíveis de punições caso não assegurassem estas garantias.
Por outro lado, os escravos precisavam abdicar de suas crenças nativas ou ancestrais, tendo que aceitar o catolicismo como religião e receber o batismo católico, sendo castigados caso praticassem ritos estranhos ao que a Igreja definisse. Os senhores deveriam garantir que seus escravos fossem impedidos de realizar reuniões ou assembleias, podendo impor sobre eles punições se a qualquer momento do dia participassem de reuniões proibidas. Esta medida era importante para desarticular eventuais tentativas de rebelião ou resistência. Os escravos não tinham permissão para trabalhar para atender às suas próprias necessidades ou acumular ganhos pessoais, não podendo exercer cargos públicos ou comerciais. As penas físicas previstas na lei eram variadas, incluindo aplicação de açoites, marcação na pele com ferro quente do símbolo da “fleur de lys” (um tipo de punição para desertores e criminosos habituais na França). Além disso, também havia a possibilidade de escravos serem punidos com o trabalho forçado nas Ilhas Turcas, transporte para outras colônias francesas ou até mesmo a venda novamente como escravos para lucro do rei. O peso das medidas penais também era mais rigoroso sobre um escravo, passível de receber condenação à morte nos casos de agressão contra seu mestre, sua esposa, seus filhos ou derramasse sangue de uma pessoa branca livre. O Code Noir previa essas penalidades para manter o controle sobre os escravos e garantir a ordem nas colônias.
A libertação de escravos ocorria por meio da manumissão ou alforria. Os dois termos se referem à libertação de escravos, mas são usados em contextos ligeiramente diferentes. Manumitir é um termo derivado do termo em latim “manumittere”, que significa “enviar da mão” ou “liberar”, e era mais comumente usado no Direito Romano. No contexto do Code Noir, o termo “manumitir” refere-se à ação de libertar escravos por meio de um ato legal ou testamento. Quando um mestre “manumitia” um escravo, ele concedia a libertação ao escravo, permitindo que ele se tornasse um homem livre com todos os direitos e privilégios. Alforriar, por outro lado, é um termo mais comumente usado em Portugal e no Brasil e se refere ao ato de conceder a liberdade a um escravo. Enquanto a manumissão por iniciativa ou vontade do mestre era mais comum, escravos também poderiam ser libertados se fossem nomeados como beneficiários universais pelos seus mestres, executores de seus testamentos ou tutores de seus filhos. Uma vez libertados, os escravos tinham os mesmos direitos, privilégios e liberdades que as pessoas nascidas livres, mas a lei exigia que os escravos libertos mantivessem “um respeito especial por seus antigos mestres, suas viúvas e seus filhos”. Aqueles que insultassem seus antigos mestres seriam punidos mais severamente do que se tivessem insultado outra pessoa. No entanto, eles eram considerados livres e não tinham mais obrigações, serviços ou direitos que pudessem ser reivindicados por seus antigos mestres, seja em relação a suas pessoas ou suas propriedades, pois uma pessoa que foi alforriada de acordo com as disposições do Code Noir não poderia ser reescravizada.
Considerando que as relações sexuais entre pessoas livres e escravizadas era algo muito difícil de ser controlado, a lei tratou de lidar com efeitos reprodutivos destes contatos. Um casal de pessoas escravizadas só poderia constituir matrimônio formal diante da aprovação de seus senhores e casamento legal entre uma pessoa livre e outra escravizada era proibido, mas as situações de nascimentos de filhos seguiam determinados critérios. Filhos de pai e mãe escravos eram também escravos e se o casal fosse constituído por escravos de diferentes senhores, as crianças seriam de propriedade dos senhores das mães. Se uma mulher escrava tivesse filhos com um homem livre ou alforriado, as crianças eram propriedade dos senhor da mulher. No caso de uma mulher livre ou alforriada que tivesse filhos com um homem escravo, as crianças nasceriam livres, mesma condição da mãe. Isso indica que as mulheres poderiam transmitir suas condições aos seus filhos, seja a escravidão ou a liberdade.
O Code Noir vigorou até 1848 e foi uma lei histórica que teve um significado importante nas relações entre senhores e escravos, garantindo a dominação da população branca sobre a negra, estabelecendo um sistema de escravidão baseado em considerações raciais, cumprindo seu papel na organização e legitimação do sistema de escravidão, mantida mesmo com uma incipiente cobertura de garantias mínimas para os escravos e libertos.


