As Filhas do Rei e as Casket Girls: A complexa migração feminina na colonização francesa da América

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

O estabelecimento colonial europeu no Novo Mundo, nos seus primeiros momentos, teve uma intensa presença masculina. Em certo momento, as autoridades começaram a perceber que isso era um problema. Os colonos franceses se sentiam atraídos por mulheres nativas, mas isso gerava situações preocupantes. Além dos relacionamentos forçados, que agravavam as tensões com os povos indígenas, muitos homens, encantados pelas nativas, integravam-se às culturas locais a tal ponto que o governo francês se incomodava com o que via como uma degradação, inclusive afastando-os da fé cristã.

Para atenuar a situação, decidiu-se enviar mulheres para as áreas coloniais, com o objetivo de “salvar” os homens desvirtuados pela promiscuidade ou pela proximidade com os costumes nativos. No reinado de Luís XIV, adotou-se a primeira medida, enviando as “Filles du Roi” ou “Filhas do Rei”, moças recatadas e cristãs distribuídas em áreas da Nova França para casarem-se com os exploradores compatriotas. Estas jovens, a partir dos 12 anos de idade, eram geralmente órfãs acolhidas por entidades de caridade, recebendo um dote pago pela coroa francesa, que também custeava a viagem. As primeiras chegaram ao Canadá em 1663.

Contudo, a iniciativa não foi suficiente para prover companheiras aos colonos, ocupados com atividades como agricultura, extração de madeira ou obtenção de peles, então novas levas de mulheres continuaram a ser necessárias. Além disso, nem todas as áreas coloniais foram atendidas e regiões como a Louisiana permaneciam carentes de mulheres europeias.

No início do século 18, uma nova ação foi capitaneada pelo governo. As “Fille à la Cassette” ou “Casket Girls”, que desembarcavam portando pequenos baús, os “casquettes”, com seus pertences pessoais, foram recolhidas para o envio até a colônia, chegando a partir de 1703. Além das órfãs virtuosas de formação religiosa, o governo incluiu mulheres de experiências diversificadas, incluindo aquelas recolhidas de bordéis e prisões. Após breve preparação, esperava-se que encontrassem um novo rumo como futuras mães de família.

Não era fácil encarar o desafio, afinal, além da distância e do afastamento do mundo conhecido, as noivas estavam sujeitas a doenças no novo ambiente, riscos de rejeição, desamparo e maus-tratos. A proteção da igreja não bastava para proteger as mulheres em situações de casamentos ruins. Algumas chegaram a realizar um motim, conhecido como “Rebelião da Anágua”.

Entre 1717 e 1721, a migração de mulheres para casamentos concentrou-se mais em ex-prostitutas e criminosas. As queixas dos homens e dos moralistas religiosos tornaram-se veementes, acusando o governo de enviar mulheres indecentes e indignas para o casamento. Diante das críticas, o processo migratório neste formato foi sendo progressivamente reduzido até sua extinção.

Apesar das circunstâncias desafiadoras e das críticas que cercaram essas migrações femininas, a chegada das “Filles du Roi” e das “Casket Girls” teve um impacto significativo e duradouro na formação populacional das regiões coloniais para as quais foram enviadas. Elas não apenas ajudaram a estabilizar e diversificar a demografia das colônias, mas também desempenharam um papel crucial na construção das identidades culturais e sociais locais. Suas contribuições vão além da simples procriação; essas mulheres foram fundamentais na transmissão de valores, práticas e tradições europeias, mesclando-as com as influências locais. Essa mistura de culturas e heranças tornou-se um elemento chave na formação da identidade única dessas regiões, influenciando gerações futuras e moldando a sociedade como a conhecemos hoje.

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