Mulheres no mundo do crime

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Entre os ingleses, houve uma intensa preocupação com o envolvimento feminino nas práticas criminosas nos séculos XVII e XVIII; no período de 1690 a 1735, 40% dos réus julgados no tribunal de Old Bailey, em Londres, eram mulheres. O que estava acontecendo?

Mulheres criminosas eram geralmente caracterizadas como figuras degradadas, alheias às normas sociais ou à decência, e aquelas que efetivamente transgrediam a lei faziam isso por variadas circunstâncias. Num contexto no qual o acesso a atividades remuneradas era mais escasso para as mulheres, a fonte de estabilidade financeira era mesmo um homem; então, aquelas que não tinham um provedor enfrentavam dificuldades para sobreviver. Como resultado, algumas mulheres recorriam ao crime como uma forma de obter dinheiro e sustento, e o roubo e a prostituição acabavam realmente virando alternativas.

Com o aumento do número de mulheres solteiras que chegavam a Londres em busca de oportunidades econômicas, as autoridades começaram a suspeitar delas. Essas mulheres eram vistas como criminosas em potencial, pois não dependiam financeiramente de homens; ou seja, a autonomia delas era considerada um perigo que justificava a intensificação da vigilância, afinal, como uma mulher sem um homem poderia obter dinheiro para se manter? A conclusão imediata para alguns homens investidos de poder era que isso só seria possível praticando crimes como roubos, furtos e se prostituindo. Eram comuns averiguações e prisões motivadas apenas por desconfiança e preconceito, além do recorrente o uso de abuso físico e até sexual por parte das autoridades.

Certamente existiam aquelas que realmente eram praticantes de delitos. Algumas usavam suas habilidades de persuasão e beleza para alcançar seus objetivos na vida. A sedução e o uso da sexualidade para obter dinheiro e benefícios financeiros eram comuns entre as mulheres criminosas da época. Essas táticas eram vistas como uma forma de sobrevivência em uma época em que as mulheres tinham poucas oportunidades legítimas de ganhar dinheiro ou progredir socialmente. Também ocorriam com frequência os casos das mulheres que se tornavam criminosas porque estavam envolvidas como amantes ou parceiras de homens que praticavam crimes, sendo que, em boa parte desses casos, os homens figuravam como cafetões, explorando a prostituição; mas algumas delas formavam carreiras solo após se separarem de parceiros masculinos.

Certas mulheres acabaram se tornando notórias criminosas. A bandida Susan Higges foi uma assaltante de estrada que passou mais de vinte anos atormentando e causando prejuízos no século XVII. Ela se vestia como homem e tinha fama por sua atuação violenta. Higges foi presa depois de cometer um assassinato e foi executada por causa de sua longa lista de crimes praticados ao longo de sua duradoura carreira. Mary Frith, mais conhecida como Moll Cutpurse, era uma assaltante famosa do mesmo século. Geralmente agindo com um comparsa, Moll usava da artimanha da distração para subtrair os pertences de suas vítimas com agilidade. Mas essa não era sua única atuação, pois ela também era cafetina, particularmente especializada em oferecer amantes para mulheres casadas, o que era um escândalo ainda maior. Também usava roupas de homem, frequentava lugares sórdidos, bebia muito e se metia em brigas. Foi detida pela polícia em várias oportunidades, chegando a ser marcada com ferro quente ao menos quatro vezes para sinalizar que era criminosa.

Panfleto contendo uma balada para ser cantada sobre Susan Higges. Há uma indicação de que os versos sobre as peripécias da criminosa deveriam ser cantados no tom de “Lusty Gallant”, que seria uma melodia conhecida da época.

A dominação masculina era prevalente na sociedade da época e era assim também no submundo do crime. Muitos homens eram parceiros ou mentores de mulheres criminosas, influenciando diretamente suas ações ilegais, assim, apesar da incidência e das perseguições por parte das autoridades públicas, as penas aplicadas às mulheres nem sempre eram tão severas quanto as dos homens. Menos mulheres eram enforcadas, e mais eram absolvidas em comparação aos homens.


Referências:
Women Thieves in Early Modern England: What Can We Learn from Narrative Sources?
Stand and deliver! Cross-dressing highwaywomen in broadside ballads
More Than Just Wicked: The Tales of Female Criminals in 17th-Century London