A perturbadora história do holandês que foi abandonado para morrer em uma ilha deserta por ser gay

(Representação visual gerada pelas IAs Mage e Leonardo)

O holandês Leendert Hasenbosch nasceu em 1695 e iniciou sua carreira militar aos 18 anos de idade, empregado pela Companhia Holandesa das Índias Orientais, tendo assumido diferentes postos seja como guarda ou participando de confrontos, a exemplo de sua experiência em combate na Índia. Depois ele passou a executar serviços contábeis, baseado em Cochin, no litoral indiano. Depois de 5 anos de serviço neste posto, conseguiu uma transferência de volta para a Holanda, embarcando de volta para casa em dezembro de 1724 à bordo no navio Prattenburg, onde também estava trabalhando como contador. Seria uma viagem longa com várias paradas estratégicas, mas em abril o capitão e outros oficiais resolveram que a viagem de Leendert terminaria antes dos demais. Motivo? O contador militar foi acusado de prática de sodomia.

As chamadas “atividades homossexuais” eram as principais condutas qualificadas como práticas sodomitas e na Holanda calvinista isso era extremamente grave. A Companhia Holandesa das Índias Orientais tratava a questão com rigor extremo entre seus subordinados, exercendo até mesmo a condição de julgar, condenar e executar homossexuais, que eram jogados ao mar.

O conselho do navio declarou que Leendert Hasenbosch e outro tripulante deveriam ser punidos. Os dois chegaram a passar cinco dias amarrados de costas um para o outro, para depois serem colocados em sacos e jogados ao mar. Enquanto o parceiro deve ter sido mesmo afogado, não se sabe o motivo pelo qual Leendert tenha abandonado sozinho na então deserta Ilha da Ascensão, no Atlântico Sul.

Leendert foi deixado na ilha em 5 de maio de 1725, conforme registrou em seu diário. Deixaram com ele um barril de água, alguns utensílios, suas roupas, uma tenda, umas poucas provisões e uma Bíblia. Não restou alternativa para o abandonado a não ser tentar fazer o reconhecimento e exploração da ilha para verificar a possibilidade de sobrevivência por lá. O clima de Ascensão naquela época do ano era hostil, com altas temperaturas e sem chuvas, condição que intensificava o desgaste de qualquer infeliz que estivesse como ele. 

Os dias foram passando enquanto ele registrava o que vivia. Ela escreveu que passava muito tempo rezando e meditando sobre a vida e sua condição, mas que também precisava passar boa parte dos dias tentando obter alimentação. No final do mês, mesmo tendo salgado as provisões e racionado ao máximo, já não tinha mais o que comer. Ele coletava raízes e chegou a encontrar poucas cebolas, mas a ilha não oferecia fartura de alimentos. O holandês conseguiu caçar aves e coletar ovos que forneciam o sustento mínimo para prolongar sua subsistência, mas o problema passava a ser água potável, pois a sua reserva havia esgotado. Ele tentou inutilmente cavar poços e não obtinha sequer uma gota. Uma vez que matou uma tartaruga, precisou beber seu sangue para aliviar a sede. Em algum momento no mês de agosto registrou que bebeu até sua própria urina.

Utilizando madeira pedras encontradas na ilha, Leendert conseguiu construir uma barraca num ponto alto. De lá ele passava os dias em vão observando o horizonte na expectativa de ver alguma embarcação passar e tentar ajuda. 

As privações e a solidão abalavam as esperanças de Leendert em sua prisão de 88 km². Ele escreveu em seu diário que a sua fé em Deus era a força que o fazia resistir, mas não era nada fácil suportar a situação. Em certas ocasiões desejava sofrer um acidente fatal e chegou a registrar que gostaria de morrer logo de sede.

O estado mental de Leendert estava obviamente destruído. O desespero noturno era outro tormento, pois passava noites em claro e não tinha conforto para descansar. Os pesadelos ou alucinações os perturbavam, chegou a ouvir vozes o ofendendo e escreveu que espíritos malignos o assombravam proferindo blasfêmias e até mesmo o espancando!

Em suas reflexões ele confessa sua sodomia e pede o perdão de Deus renunciado ao seu passado. Seu sentimento de culpa é outro tormento nesta sua luta por sobrevivência, pois Leendert reconhece que está sendo punido por seus pensamentos impuros e ações imorais, admitindo sua homossexualidade e relacionamento com um marinheiro chamado Andrew, que era uma pessoa devassa e que continuava aparecendo para ele na forma de uma assombração.

Uma longa sequência de dias tentando sobreviver diante da debilidade física, emocional e até espiritual, parece ter sido encerrada após seu último registro no diário, dando conta de que entre os dias 9 a 14 de outubro não havia nada o que relatar de diferente do que estava fazendo, isto é, catar qualquer coisa para comer e padecer de sede.

O diário e os vestígios do acampamento de Leendert Hasenbosch só foram encontrados em janeiro de 1725 por marinheiros britânicos que passaram pela ilha. Eles vasculharam por toda parte e não encontraram nem o náufrago abandonado nem sequer um cadáver que pudesse comprovar que alguém estava mesmo por lá meses antes. Que fim teria levado o condenado? Morreu na praia e foi carregado pelas ondas? Foi resgatado?

Seu diário foi publicado em Londres em 1726. O preâmbulo apresentado pelo editor deixa explícito que a descrição do sofrimento do holandês não passa de uma punição merecida por sua sodomia, sendo um exemplo e uma advertência para quem praticar o mesmo crime. 


Referências:

Leendert Hasenbosch’s diary: the story of a gay soldier marooned on a desert island

Hell on Ascension: The story of Cochin’s Robinson Crusoe – found guilty of sodomy and banished to Ascension Island

Sodomy punish’d : being a true and exact relation of what befel to one Leondert Hussenlosch, a Dutch man, who by command of the Dutch fleet, was put on shore on the desolate island of Ascention. Faithfully translated from a journal wrote by himself

3 comentários

  1. […] Uma das punições mais severas aplicadas durante a era das navegações era o abandono de tripulantes ou passageiros que infringissem as regras estabelecidas para a realização da viagem. Estas pessoas eram deixadas em condições precárias em lugares isolados e sem a perspectiva de um resgate. Variadas situações poderiam resultar neste castigo severo, seja por causa de desobediência e insubordinação ou por razões comportamentais como conduta sexual tida como não apropriada. […]

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