O ofício de matar: Carrascos profissionais

Em sua obra fundamental “Vigiar e Punir”, Michel Foucault observa que as punições físicas e a pena de morte eram usadas como um meio de exibir o poder dos soberanos sobre os corpos dos condenados. A violência física exercida sobre o corpo do condenado em um espaço público era uma forma de teatro político que visava impressionar a população, mostrando o que poderia acontecer com aqueles que desafiassem o poder estabelecido. A execução pública também tinha uma função pedagógica, no sentido de ser uma lição para os espectadores. Ao testemunhar o castigo imposto ao criminoso, as pessoas deveriam internalizar as normas e valores da sociedade e entender as consequências de violá-los, servindo como um exemplo vívido do que aconteceria se esses limites fossem ultrapassados.

Além disso, a execução pública era uma forma de expiação, onde o crime era “apagado” através do suplício imposto ao criminoso. O sofrimento físico do condenado era visto como uma forma de purgar o mal que ele havia cometido, restabelecendo assim a ordem social que havia sido perturbada pelo crime.

Participantes deste cenário, os carrascos eram profissionais encarregados de realizar execuções públicas, torturas e outras tarefas relacionadas à punição de criminosos. Eles eram treinados para executar suas tarefas com eficiência e precisão. Suas atribuições incluíam a decapitação de traidores e criminosos, a tortura de prisioneiros e o gerenciamento de outras tarefas desagradáveis, como limpar fossas e reivindicar propriedades indesejadas.

Eles também eram responsáveis por manter a ordem e a autoridade durante as execuções públicas, garantindo que o espetáculo da morte fosse realizado de maneira adequada. Apesar de serem frequentemente rotulados como brutos e ignorantes, os carrascos eram muitas vezes pessoas alfabetizadas e bem-educadas, com conhecimentos práticos sobre o sistema de justiça e anatomia humana. Eles eram muitas vezes membros de famílias que passavam a profissão de geração em geração, e viviam à margem da sociedade, sujeitos a leis e restrições específicas que governavam suas vidas.

Apesar de ser um agente do Estado, cuja função era executar a punição prescrita, funcionando como um instrumento do poder soberano, não era um emprego para qualquer pessoa, pois aqueles que ocupavam esse cargo eram frequentemente estigmatizados e vistos como párias sociais, sujeitos a restrições tanto nas suas vidas pessoais como profissionais.

Alguns dos executores acabaram merecendo destaque por seus serviços.


(Representações visuais geradas pela IA Leonardo)

Franz Schmidt (1555-1634)

O austríaco herdou o ofício do pai, que era um lenhador e foi designado em uma ocasião para realizar uma execução e desde então passou a atuar como executor regularmente. No caso de Franz, ele iniciou seu trabalho como carrasco aos 18 anos tendo aprendido as artes da tortura e da execução fatal com o pai e virou conseguiu emprego como executor oficial na cidade de Nuremberg, na Alemanha. Ele participava dos processos desde a realização de interrogatórios sob tortura ao ato final de matar os condenados, sendo hábil em diversas técnicas. Era um profissional meticuloso e apagado aos detalhes para garantir que os condenados morressem rapidamente, evitando o prolongamento do sofrimento no ato das execuções fatais. Suas técnicas foram registradas em um diário detalhado, constando mais de 400 mortes. Como estrangeiro, Schmidt só conseguiu ser reconhecido como cidadão com plenitude de direitos depois de sua aposentadoria.

Jan Mydlář (1572-1664)

Conhecido como “O Mestre Executor de Praga”, o carrasco teve um curioso início na carreira. Dizem que quando ele era um estudante de medicina, se apaixonou por uma moça que foi depois condenada à morte por um crime, então ele se oferecer para o emprego de carrasco na esperança de conseguir salvar sua amada. Ele não obteve sucesso no seu plano inicial, mas tomou gosto pelo serviço. Ele usava um característico capuz vermelho durante seu serviço público e estava determinado a levar uma vida normal, mas depois de ter que executar um grupo de rebeldes da Revolta da Boêmia, em junho de 1621, passou a ser visto como traidor pela população.

Jack Ketch (?-1686)

John “Jack” Ketch era provavelmente irlandês e sua fama de crueldade era notória. Talvez por imperícia ou mesmo por pura má intenção, Ketch costumava usar uma machadinha como instrumento de trabalho mesmo que este não fosse o meio mais eficiente de realizar uma execução pública. Eram necessários vários golpes até que a vítima fosse decapitada, o que tornava o ato um verdadeiro espetáculo de horror. Seu método rendeu uma péssima fama para o carrasco ao ponto de fazer com que seu nome virasse um apelido genérico para se referir a qualquer carrasco cruel.

Charles-Henri Sanson (1739-1806)

Membro de uma tradicional família de carrascos, experimentou uma época particularmente produtiva para sua carreira, pois era executor durante a fase do “Terror” da Revolução Francesa. Sanson via seu trabalho como um espetáculo e gostava de estar diante do público matando os condenados. Era um tradicionalista que gostava da forca, mas durante revolução acabou aderindo à lâmina como instrumento de execução. Chegou a executar mais de 300 pessoas em num sequência e sua longa lista de execuções supera 3 mil vítimas. Foi ele quem operou a guilhotina nas decapitações da rainha Maria Antonieta e do rei Luís XVI, além de lideranças revolucionárias como Georges Danton, Camille Desmoulins, Saint-Just e Robespierre.

Giovanni Battista Bugatti (1779-1869)

O prodígio italiano iniciou a carreira de carrasco aos 17 anos e exerceu até sua aposentadoria com a idade de 85. Ele fez fama pelo uso do martelo, que girava para impulsionar o golpe realizado na cabeça na vítima. Caso a pancada não fosse suficiente para matar, Giovanni tinha uma faca pronta para encerrar a execução. Ele dominava várias outras técnicas, que utilizava de acordo com a prescrição dos juízes. Dependendo do caso, Giovanni era capaz de agir com empatia e drogava a vítima para que ela fosse poupada de consciência e dor na hora da execução.

Lady Betty (1740?-1807)

A irlandesa Elizabeth Sugrue é um grande destaque feminino numa carreira predominantemente de homens. Ela tinha sido condenada por um homicídio, mas enquanto estava esperando por sua hora final na cadeia ocorreu que num agitado dia cheio de execuções marcadas o carrasco não compareceu ao serviço, então ela se ofereceu para ocupar seu lugar. Depois de realizar o trabalho com eficiência e frieza, as autoridades acharam que seria uma boa ideia manter a condenada convenientemente como carrasca da prisão. Sua atuação valeu o apelido infame de “A Mulher do Inferno”. Ela recebeu perdão em 1804, mas como não tinha para onde ir, continuou morando na cela e trabalhando como executora por abrigo e comida. Ela foi assassinada por um prisioneiro.

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