No Irã pré-islâmico, durante o reinado de Kavad I, ocorreu uma movimentação reformista que muitos acreditam ser a precursora das concepções socialistas.
Kavad I nasceu em uma data desconhecida e pertencia a uma linhagem de reis que governavam um vasto território que se estendia do Egito até a Índia. A infância e juventude de Kavad são pouco documentadas, mas é sabido que ele ascendeu ao trono após a morte de seu tio Balash, em 488. Balash havia sucedido o irmão Peroz I – pai de Kavad – mas seu reinado foi breve e marcado por instabilidade.
Ele herdou um império em uma situação delicada, com problemas financeiros e instabilidade interna. Uma das principais questões que Kavad teve que enfrentar foi a necessidade de fortalecer o poder central em face da crescente influência dos nobres e do clero. Ele também procurou implementar reformas para melhorar a situação fiscal do império. Uma de suas medidas foi a tentativa de acabar com os casamentos endogâmicos, aqueles que ocorrem entre membros de uma mesma família. Esta iniciativa visava romper com a intensa acumulação de riquezas sob o controle de poucas famílias, pois com a endogamia as riquezas se perpetuavam sob o controle dos mesmos grupos familiares e não havia partilha de propriedades. A forma de implementar esta medida foi a determinação para que as mulheres fossem obrigadas a casar com homens fora de suas famílias, já que era comum que homens poderosos mantivesses suas próprias filhas em seus haréns. Os nobres reagiram acusando o rei de tentar promover uma partilha de mulheres, disponibilizando as esposas e filhas dos nobres para relacionamentos coletivos ou possibilitando que elas pudessem se casar com quem quisessem. Isso foi suficiente para sua queda, então Kavad foi deposto, substituído por seu irmão Zamasp e preso no “Castelo do Esquecimento”, uma detenção especial para onde nobres poderiam ser enviados e “esquecidos”.
Após sua deposição em 496 e subsequente exílio, Kavad I se encontrou em uma posição precária, mas ele estava determinado a retomar o trono. Durante seu exílio, Kavad buscou o apoio de tribos nômades fora das fronteiras do Império Sassânida, incluindo os heftalitas, também conhecidos como “Hunos Brancos”. Com essa ajuda militar, Kavad foi capaz de lançar uma campanha para retomar o poder. Em 498, após uma série de confrontos e manobras políticas, ele conseguiu depor Zamasp e retomar o trono. Sua retomada do poder marcou o início de uma nova fase em seu reinado, durante a qual ele continuaria a buscar reformas e fortalecer o poder central, ao mesmo tempo que enfrentava desafios externos, especialmente em relação ao Império Bizantino.
Os conflitos entre Kavad I e o Império Bizantino foram uma constante durante o seu reinado, refletindo as tensões históricas entre os dois impérios que disputavam o controle de territórios estratégicos no Oriente Médio. Kavad I envolveu-se em várias campanhas militares contra os bizantinos, em uma tentativa de expandir o território sassânida e garantir o domínio sobre regiões fronteiriças disputadas. Essas campanhas frequentemente coincidiam com momentos de instabilidade interna em ambos os impérios, com os monarcas buscando vitórias militares para consolidar seu poder e legitimar seu governo. Uma das questões mais contenciosas entre Kavad e os bizantinos era o controle sobre o Reino de Lazica, localizado na região do Cáucaso, que era um importante ponto estratégico e uma fonte de recursos valiosos. As disputas e confrontos entre Kavad e os bizantinos continuariam a ser uma característica definidora de seu reinado, contribuindo para o cenário de instabilidade e conflito que marcou o período.
Durante o seu reinado, Kavad I entrou em contato com os ensinamentos de Mazdak, um líder religioso e reformista que pregava uma forma de comunismo primitivo e se posicionava contra a opressão das classes altas e do clero. As ideias do reformador social e religioso conquistaram a adesão de muitos camponeses e até de alguns nobres, então sua influência chegou ao ponto de interessar ao rei, que também desejava implementar mudanças que eram parcialmente identificadas com os ensinamentos de Mazdak, que teve assim um impacto significativo em seu governo. O próprio Mazdak apresentava orientações para o rei, que o convidou para fazer parte de sua corte. As reformas de Kavad, muitas vezes referidas como reformas mazdakitas, buscavam reduzir o poder dos nobres e do clero, enquanto promoviam uma maior igualdade e justiça social. Essas reformas enfrentaram forte oposição de várias facções conservadoras dentro do império, incluindo a nobreza e o clero zoroastrista, que viam as ideias de Mazdak como uma ameaça direta aos seus interesses e poder.
Nos últimos anos do seu reinado, que se estendeu até 531, Kavad I continuou a enfrentar diversos desafios, tanto internos quanto externos. Embora suas reformas inspiradas pelo mazdakismo tenham representado uma tentativa de fortalecer o poder central e promover importantes mudanças sociais, também causassem instabilidade e resistência por parte das tradicionais elites. Nos campos de batalha, Kavad manteve seus conflitos com o Império Bizantino, continuando a lutar por territórios estratégicos no Oriente Médio. Essas campanhas militares eram essenciais para consolidar o poder de Kavad e fortalecer a posição do Império Sassânida na região. Além disso, Kavad também teve que lidar com questões de sucessão, preparando o terreno para seu filho, Khosrow I, assumir o trono após sua morte. Khosrow I viria a ser um dos grandes monarcas sassânidas, continuando muitas das políticas e campanhas militares de seu pai.


[…] Kavad I e a primeira experiência com ideais socialistas no Império Sassânida […]