Nascido em Surimana, no Peru, em 1742, José Gabriel Condorcanqui Noguera pertencia a uma proeminente família indígena que se proclamava descendente direta do antigo soberano inca Tupac Amaru I. Foi instruído por padres jesuítas, batizado na Igreja Católica e assumiu o status de curaca, herdado de seu pai. Curaca era um posto de liderança de seu povo; no entanto, nesse período, sua função estava desvirtuada em comparação aos tempos anteriores ao domínio espanhol. Portanto, a posição de curaca no contexto colonial era ambígua: era uma liderança nativa legítima com privilégios, mas que muitas vezes favorecia a dominação espanhola.
Quando iniciou sua atuação como curaca, José Gabriel também era comerciante, proprietário de terras e de tropas de transporte, além de ter acesso a uma rede de contatos com os administradores e membros da elite colonial. Mesmo estando em uma posição social privilegiada, ele sentia profundo incômodo diante das demandas impostas aos produtores e das condições precárias impostas ao povo indígena. Procurou exercer a influência de seu posto para negociar melhorias e abolir a exploração escravista, porém as autoridades coloniais recusavam de forma intransigente qualquer iniciativa que amenizasse a situação. Vendo que a negociação não era uma opção, ele decidiu invocar sua ancestralidade e o exemplo do último Sapa Inca, Tupac Amaru I, que resistiu à imposição dos espanhóis através da guerra.
Assumindo a identidade de Tupac Amaru II, passou a liderar um movimento rebelde contra o domínio espanhol numa fase em que o processo de exploração se intensificava com as chamadas “Reformas de Bourbon”, implementadas pela coroa espanhola. Estas reformas repercutiam na administração colonial através da intensificação de um regime que submetia os trabalhadores indígenas ao Estado, seja por trabalho forçado ou por tributações que causavam endividamentos insustentáveis, agravando a dependência e submissão dos trabalhadores crioulos e indígenas. Tupac Amaru II e seus rebeldes também se inspiraram nos ideais contidos na obra “Comentarios Reales de los Incas”, do mestiço Garcilaso de la Vega (1539-1616), que foi proibida pelo governo espanhol por seu conteúdo considerado “perigoso”.
A rebelião de Túpac Amaru foi um esforço indígena para restaurar o império Inca e desafiar as reformas implementadas pela monarquia espanhola sob Carlos III. O estopim da rebelião foi o assassinato do Corregedor do distrito de Tinta e do governador Antonio de Arriaga, ordenado por Tupac Amaru II após capturá-los em uma festa. Enquanto Tupac Amaru alegava agir sob as ordens diretas da Coroa espanhola, ele e seus seguidores, que incluíam sua esposa Micaela Bastidas, uma figura de liderança destacada, lideraram ataques significativos contra os espanhóis, ocupando várias províncias e saqueando propriedades espanholas. A rebelião, embora tenha obtido algumas vitórias notáveis, como a em Sangarará, acabou falhando, particularmente após uma tentativa malsucedida de capturar Cuzco. Tupac Amaru II foi capturado e, quando pressionado a entregar outros rebeldes, proclamou sua posição como libertador e se manteve desafiador até o fim.
Ao longo da rebelião, Tupac Amaru II conseguiu reunir um amplo apoio, especialmente de falantes do quéchua e aimará. Apesar da resistência feroz e do número significativo de mulheres entre os líderes rebeldes, as forças espanholas conseguiram suprimir a rebelião em 1782. A vitória em Sangarará, embora significativa para os rebeldes, revelou problemas internos, uma vez que Tupac Amaru II não conseguiu controlar seus seguidores, que cometeram violências excessivas. Este comportamento acabou por afastar do movimento a classe crioula e contribuiu para o enfraquecimento do movimento e derrota da rebelião.
Tupac Amaru II enfrentou um fim brutal após sua captura. Ele foi severamente torturado e condenado à morte por desmembramento. Em uma tentativa cruel de execução, quatro cavalos tentaram desmembrá-lo, mas após a falha desta técnica, seu corpo foi esquartejado e decapitado na praça principal de Cuzco, o mesmo local onde seu tataravô, Tupac Amaru I, também fora decapitado. Sua execução ocorreu em 18 de maio de 1781.
A perseguição à sua linhagem não parou com sua morte. Enquanto os espanhóis executavam os demais membros de sua família, seu filho de 12 anos, Fernando, foi poupado da morte iminente. Contudo, ele foi condenado à prisão perpétua na Espanha. As partes do corpo de Tupac Amaru II foram exibidas nas cidades que lhe eram leais como um aviso cruel. Suas propriedades foram arrasadas, seus bens confiscados e todos os documentos que comprovavam sua ascendência foram destruídos em chamas. A infâmia foi estendida a todos os seus parentes, marcando mais um capítulo sangrento na resistência indígena contra o domínio espanhol.


[…] Micaela Bastidas Puyucahua (1744-1781) era filha de Manuel Bastidas, um homem provavelmente mestiço afrodescendente, e de Josefa Puyucahua, uma mulher inca. Nasceu no povoado pobre de Tamburco, no Peru. Era conhecida como “La Zamba”, apelido empregado para caracterizar sua condição mestiça, pois a palavra “zamba” equivale ao termo português “cafusa”, que corresponde à miscigenação entre nativos indígenas e negros. Apesar de não ser comum para meninas em sua condição, foi alfabetizada e depois casou-se com José Gabriel Condorcanqui, membro da elite indígena e descendente da nobreza inca, que adotou a identidade de Tupac Amaru II. […]