A perspectiva ignorada de Capitu

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Eu sou a Capitu que muitos de vocês devem reconhecer das páginas de “Dom Casmurro”, escritas por Machado de Assis. No entanto, imagine por um instante que eu sou tão real quanto você. E, como uma pessoa de carne e osso, carrego comigo sentimentos, anseios e perspectivas que vão além da narrativa apresentada.

Nasci em uma época em que o papel da mulher estava rigidamente definido, confinada a um espaço restrito e a expectativas sociais. Como muitas mulheres da minha geração, fui ensinada desde cedo sobre o que era considerado “apropriado” e “impróprio”. Porém, sempre fui mais do que as convenções da minha época queriam que eu fosse. Inteligente, curiosa e com olhos que observavam o mundo com uma profundidade que poucos compreendiam, eu desafiava o status quo.

A história contada por Bentinho é uma perspectiva. Mas, como qualquer relato, está sujeita a falhas, a percepções distorcidas e ao viés de quem a conta. O amor que compartilhamos foi verdadeiro, profundo e complexo. No entanto, à medida que os anos passavam e as dúvidas surgiam, as suspeitas tornaram-se insuportáveis. A polêmica em torno de minha suposta traição tomou proporções gigantescas, chegando a eclipsar outros aspectos da minha identidade.

Aqui, em meio ao burburinho e julgamento das massas, encontro-me defendendo não apenas a minha honra, mas a de todas as mulheres que foram julgadas injustamente com base em suposições, rumores e ciúmes. Se fui infiel ou não, tornou-se a questão central da minha existência, obscurecendo outros aspectos da minha vida, meus desejos, sonhos e ambições.

Vivo em um limbo entre a ficção e a realidade, mas o debate sobre minha “verdade” revela muito mais sobre a sociedade que sobre mim. Em um mundo onde as mulheres são frequentemente subestimadas e silenciadas, peço que reflitam não apenas sobre minha história, mas sobre como as narrativas são moldadas e, mais importante, quem tem o poder de moldá-las.

Se sou real ou imaginária, deixo para vocês decidirem. Mas, como figura eterna da literatura brasileira, espero que minha história continue inspirando discussões sobre amor, ciúme, traição e, acima de tudo, sobre a percepção e o papel da mulher na sociedade.

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