Calabar: Um traidor?

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Nascido em Porto Calvo (atual Alagoas), na Capitania de Pernambuco, 1609, o mestiço Domingos Fernandes Calabar tem origens familiares desconhecidas, pois não se sabe exatamente quem foi seu pai, um branco de origem portuguesa, e sua mãe, identificada como Ângela Álvares, poderia ser indígena ou negra (não há consenso entre os registros a esse respeito). Mas Calabar despontou como um jovem próspero proprietário de terras instruído por jesuítas que largou tudo para guerrear por ocasião da invasão holandesa em 1630, quando Olinda, a sede da capitania, caiu em mãos dos invasores e o temor dos proprietários tomou conta da região.

Daí em diante, os holandeses foram ampliando progressivamente o domínio e presença em Pernambuco, apesar das dificuldades impostas por uma aguerrida resistência local foi formada por colonos sem apoio suficiente de Portugal, que estava dominado pela união com a Espanha e nem dos espanhóis, que tinham muitas áreas no Novo Mundo com as quais se preocupar para dar conta de mais esta situação.  

Calabar aderiu à resistência comandada por Matias de Albuquerque e que tinha como foco central o Arraial do Bom Jesus, em Recife, reforços espanhóis e portugueses chegaram em 1631, mas a holandesa Companhia das índias Ocidentais também tratou de ampliar seu poderio no conflito, contudo os problemas entre os luso-brasileiros que estavam na linha de frente também envolviam seus apoiadores vindos do Europa, que não reconheciam adequadamente a experiência e os esforços dos combatentes locais. Por outro lado, os holandeses trataram de cooptar dissidentes com a oferta de terras e financiamentos. Calabar encontrou na oferta dos holandeses uma boa oportunidade, então, em 1632, ele mudou de lado e passou a apoiar o lado contra o qual lutou como conselheiro, informante, guia e oficial combatente.

Durante o período de cooperação mútua entre Calabar e o comando holandês, a Companhia das Índias Ocidentais foi consolidando o controle do litoral, neutralizando a resistência e obtendo adesões nesse processo. Em março de 1935, num ataque à Porto Calvo, os holandeses obtiveram vitória e expulsaram os resistentes. Calabar ficou encarregado de patrulhar uma estrada que dava acesso ao local, mas foi capturado numa emboscada por um grupo de comandados de Matias de Albuquerque e levado preso. Os holandeses tentaram em vão regatar o aliado e negociar sua soltura, pois os antigos companheiros de armas de Calabar estavam determinados impor uma punição exemplar, então ele foi rapidamente condenado e executado por traição. Seu corpo esquartejado depois do garroteamento foi mantido ao relento até que, dois dias após execução os holandeses chegaram ao local e os comandantes Sigismund von Schoppe e Chrestofle Arciszweski determinaram seu sepultamento com as devidas honras militares. Calabar tinha 26 anos por ocasião de sua morte.

O nome de Domingos Fernandes Calabar virou sinônimo de traidor e sua reputação foi duramente atacada, contudo o significado de sua mudança de lado passou a ser questionado. Como mestiço nascido no Brasil, Calabar não era português para devotar patriotismo ao distante reino que nunca viu, então sua adesão aos novos invasores pode ter sido motivada por interesses associados à sua condição de indivíduo que também estava sob as exigências exploratórias dos colonizadores que exigiram sua fidelidade. E ele não foi o único a aderir aos holandeses, pois muitos outros senhores de engenhos – inclusive apoiadores da resistência – viraram aliados sobretudo do dinheiro que a Companhia das Índias Ocidentais se dispôs a empregar nas terras conquistas através de investimentos diretos e alívios tributários, sobretudo no decorrer do governo de Maurício de Nassau.    

2 comentários

  1. o Dr. Frans Leonard Schalkwijk, em sua obra Igreja e Estado no Brasil Holandês, lançou luz sobre a figura do “traidor” Calabar, demonstrando que a “traição” foi, na verdade, sua conversão ao Evangelho pregado pelos holandeses reformados.

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