De uns tempos para cá surgiu uma espécie de vikingmania alimentada por uma onda de produções e referências midiáticas interessante e criativa. De aventuras fantasiosas de super-heróis a histórias que tentam se apresentar como verossímeis, esses nórdicos são destacados nas produções como aventureiros e guerreiros, como se só fizessem ir para terras distantes e se meter em guerras com estrangeiros e entre eles mesmos. E como vikings são guerreiros brutamontes que resolvem as coisas com as lâminas de suas espadas e machados, certamente deveriam existir mulheres com este mesmo ímpeto, afinal, as guerreiras também estão nas produções que conquistaram legiões de fãs.
As famosas “Donzelas de Escudos” (skjoldmø) eram as mulheres guerreiras vikings, mas a abrangência da atuação dessas combatentes nos conflitos que envolviam este povo é ainda objeto de discussões. O comum mesmo para as mulheres vikings era o âmbito doméstico, estando à margem das esferas de poder numa sociedade que era patriarcal. Evidências arqueológicas sobre as guerreiras não são fartamente disponíveis e estão sujeitas a questionamento a respeito da possibilidade de serem suficientes para atestar a atuação de mulheres nos campos de batalhas.
Um famoso achado foi realizado no assentamento arqueológico de Birka, na Suécia, em 1878. Trata-se de uma tumba do século X muito bem composta que continha duas ossadas de cavalos e um esqueleto humano devidamente acompanhado por uma espada, um machado de combate, um punhal, dois escudos, flexas e um tabuleiro de um jogo de estratégia, deixando evidente que se tratava de uma de uma pessoa de proeminente papel em guerras e na liderança militar. A descoberta foi reconhecida como a identificação presumida de que era de um homem que foi um líder guerreiro que recebeu na morte um tratamento com o respeito devido a alguém em sua posição até que análises mais avançadas a partir da década de 1970 começaram a indicar pelas características físicas de ossos pélvicos e mandíbula que o esqueleto era de uma mulher, situação confirmada em 2017 por exames genéticos. Mas, apesar da constatação de que a ocupante da sepultura era mulher, há discussão sobre se realmente se tratava de uma guerreira pela falta de indícios de lesões (considerando que era muito comum a verificação de danos físicos sofridos por combatentes ao longo da vida), por eventuais problemas na identificação e guarda dos ossos quando retirados da tumba e ainda porque o achado era muito isolado diante da quantidade de outros enterramentos de homens guerreiros no mesmo sítio arqueológico.
Já no cemitério Viking em Solør, Noruega, que reúne sepultamentos realizados entre os séculos VIII e XI, pesquisadores chegaram realizar a reconstituição facial a partir do crânio de uma mulher identificada entre as várias pessoas sepultadas no local e lhe deram o nome de Erika, a Ruiva. Ao lado dos restos mortais de Erika estavam foram encontradas diversas armas e a análise de seu crânio permitiu concluir que ela tinha vestígio de ferimento na testa provocado por uma lâmina de espada, embora este possa não ter sido provavelmente a causa de sua morte. O esqueleto de Erika foi encontrado em 1900 e chegou a ser reconhecido como de mulher, mas por esta razão seu status como guerreira foi ignorado mesmo diante das evidências apontadas pelas armas ao seu redor, conforme costume viking para honrar seus combatentes.
Imagens: Sepultura BJ581 de Birka, Suécia / Reconstituição facial a partir do crânio da mulher viking Erika encontrada em Solør, na Noruega, mostra um grande ferimento na cabeça, possivelmente sofrido em batalha / Crânio de Erika, a Ruiva / Crânio e armas de Erika, a Ruiva /Estatueta, possivelmente uma Valquíria (vista de 4 lados)
A identificação de esqueletos em sepultamentos vikings é dificultada porque em muitos casos a deterioração do material pesquisado prejudica a realização de análises para determinação do sexo. Além do mais, apesar do reconhecimento do sexo e o eventual achado de utensílios de combate com os esqueletos femininos, especialistas afirmam que isso pode não garantir que eram guerreiras. Há casos nos quais foram encontradas sepulturas femininas em que perceberam apenas machados que pela avaliação da borda das lâminas nunca foram utilizados, o que poderia indicar que a presença dos utensílios pudesse ter uma função ritualística sem relação com a eventual atuação das mulheres como guerreiras.
As sagas vikings são textos importantes da literatura escandinava medieval e entre elas há narrativas sobre mulheres guerreiras inspiradas nas mitológicas valquírias. As sagas e lendas nórdicas mencionam algumas mulheres que participaram de batalhas, como Hervor, Freydis Eiríksdottir, Lagertha e Brynhild, mas é difícil separar a realidade histórica da mitologia e da exageração poética nessas narrativas. Há quem argumente que a inspiração para a composição das histórias das mulheres que lutavam pode ter sido feita a partir de exemplos de mulheres reais, embora essa perspectiva não seja acompanhada majoritariamente por pesquisadores do tema.
Alguns estudiosos argumentam que as mulheres vikings poderiam ter desempenhado papéis defensivos nas comunidades, protegendo suas terras e lares em tempos de conflito. No entanto, a ideia de mulheres vikings usando armaduras completas e lutando no calor da batalha como os homens ainda é amplamente debatida enquanto os elementos indiciais presentes em fontes arqueológicas e registros documentais não possibilitam comprovar que as donzelas de escudo faziam parte do cotidiano bélico dos povos vikings.







[…] Resumo: As “Donzelas de Escudos”, guerreiras vikings retratadas em sagas e produções modernas, são figuras inspiradoras, mas sua existência histórica é questionada. Apesar de algumas evidências arqueológicas, como a tumba de Birka e o esqueleto de Erika, a Ruiva, indicarem a presença de mulheres com armas, é incerto se lutavam ao lado dos homens em batalhas. A maioria das mulheres vikings se dedicava à vida doméstica, e a participação feminina em guerras continua um tema de debate entre historiadores. Conheça as guerreiras nórdicas que despertam interesse e questionamentos. […]
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