O ato de expelir os restos não aproveitados pela digestão constrange até hoje, apesar de sua naturalidade e inevitabilidade. Nem sempre foi assim e já houve tempo em que o “numero 2” era enxotado das entranhas durante conversas sem o menor incômodo (a não ser, claro, pelo cheiro, pois esse sempre foi desagradável mesmo). Entre os romanos, por exemplo, havia o hábito de usar ambientes públicos cheios de latrinas para defecar e esses espaços não tinham qualquer divisão que pudesse preservar a privacidade dos usuários, que aproveitam o chamado da natureza enquanto mantinham uma conversa com alguém que também estava lá para se aliviar.
Apesar da existência prévia de estruturas para recolhimento de fezes com sistemas de tubulações para escoamento datarem de muito antes, só no final do século 16 o vaso sanitário com descarga foi inventado, mas a inovação ainda levaria quase 200 anos até começar a ser amplamente utilizada. Até que vasos sanitários com sistemas de escoamento virassem coisa comum, muita sujeira e transtornos eram rotina.
Os aparatos para que as pessoas pudessem defecar e se livrar do resultado da ação não eram nada práticos e geravam um acúmulo de cocô que precisava ser removido de perto. Uma ideia simples foi depositar grandes volumes de fezes em buracos – as fossas. Além de disso também costumavam recorrer a outras soluções como simplesmente jogar os excrementos em rios ou no litoral, mas um problema era que ainda assim o conteúdo precisava chegar até estes destinos. É aqui que entram as pessoas que tinham que desempenhar esse serviço sujo.
Quanto mais pessoas por perto, mais resíduos eram produzidos e então quantidades maiores eram acumuladas para que pudessem ser transferidas para o local de descarte. Isso dava muito trabalho para as pessoas que teriam que coletar e carregar toda aquela massa mal-cheirosa e potencialmente contaminante.
Entre os ingleses, por exemplo, este era um serviço noturno realizado por um verdadeiro esquadrão de trabalhadores que eram popularmente chamados de “homens da noite”, gente que carregava baldes e barris cheios de uma carga muito fedorenta transportados em carroças. Eles esvaziavam os recipientes domésticos, as fossas das vilas e cidades, limpavam calhas que escoavam fezes diretamente para os reservatórios apropriados e então transportavam o que juntavam para o local de descarte. Era um trabalho insalubre, repugnante, precário, pessimamente remunerado e estigmatizado, pois seus praticantes não tinham reconhecimento social muito positivo. E mesmo com os esforços desses trabalhadores as cidades estavam longe de ser consideradas minimamente limpas, pois era comum encontrar cocô humano nas ruas misturado com fezes de animais, além de urina que era simplesmente despejada em qualquer lugar ou mesmo jogada das janelas frequentemente molhando os transeuntes.
Em sociedades escravistas como a brasileira esse era um serviço desempenhado pelos escravos. Os penicos e as “casinhas” recebiam os dejetos que se acumulavam para posterior recolhimento, que era realizado pelos “escravos tigres”. Este nome peculiar se devia ao modo como realizavam o transporte, pois carregavam sobre suas cabeças os grandes baldes cheios que costumavam transbordar, fazendo com que o conteúdo escorresse sobre os corpos dos transportadores, o que poderia provocar consequências como lesões cutâneas que resultavam em manchas visíveis provocadas pela ação da composição das fezes, ricas em amônia ácida. Estes trabalhadores escravizados despejavam os despojos digestivos nos locais habituais para este fim a exemplo dos córregos, rios e praias.
Os carregadores de fezes só foram deixando de ser comuns quando os processos de esgotamento subterrâneo dotados de escoamento com água passaram a ser massivamente utilizados. Mesmo sem as pessoas encarregadas da coleta física, o problema da intensa produção e descarte de cocô continua sendo uma questão sanitária relevante até os dias presentes.



