Hatshepsut, a maior Rainha do Egito

(Representação visual gerada por IA)

Durante a ascensão da 18ª Dinastia reinante sobre o Egito, o poderoso império africano estava superando uma situação complicada, pois uma guerra estava em curso para expulsar os Hicsos, invasores estrangeiros que se estabeleceram em parte dos domínios egípcios e romperam a unidade territorial do império. A nova dinastia foi decisiva para expulsar os invasores e restabelecer a unidade territorial, triunfo devido à liderança do faraó Ahmose I (fundador da dinastia) e seus sucessores. Coube a uma mulher ousada consolidar o restabelecimento do poder faraônico sobre o território recém reunificado do Egito. Uma mulher que enfrentou desafios decisivos para o futuro do império. Esta líder revelada em circunstâncias imprevistas foi a faraó Hatshepsut.

Nascida por volta de 1508 a.C., filha mais velha do Faraó Tutmés I e da rainha Ahmose, a legitimidade de Hatshepsut para exercer o governo não era garantida por causa de seu gênero, então não havia expectativa de que uma princesa de linhagem pura assumisse o trono, sobretudo após o nascimento de seu meio-irmão Tutmés II, filho do faraó com uma esposa secundária. Tutmés II acabou herdando o trono quando tinha por volta dos 10 anos de idade e como era costume entre a realeza egípcia, imediatamente foi realizado um casamento entre ele e Hatshepsut, que passou a ostentar o título de Grande Esposa Real (ela tinha cerca de 15 anos na ocasião). O jovem casal real teve apenas uma filha, a princesa Neferure, porém Tutmés II teve um filho, Tutmés III, com uma segunda esposa. O faraó morreu quando o herdeiro direto era ainda uma criança pequena, então, Hatshepsut assumiu o poder na condição de regente em nome de Tutmés III, situação que já foi suficiente para provocar desacordos na elite egípcia, no entanto, ela não pretendia figurar como uma liderança temporária e reivindicou o trono para si.

Durante a regência Hatshepsut articulou uma intensa propaganda religiosa enfatizando sua origem divina, então invocou uma forte justificativa religiosa em seu favor, ressaltando que foi escolhida pelo deus Amon-Rá. Ela conseguiu o apoio de sacerdotes, lideranças militares e nobres para consumar a manobra audaciosa de sagrar-se faraó. Tutmés III manteve formalmente seu título, mas a co-regente Hatshepsut assumiu o papel dominante de mandatária do poder.

Sob o seu reinado, o Egito realizou a expedição à Terra de Punt, localizada provavelmente na costa do Mar Vermelho (na região da atual Somália ou Eritreia), resultando no estabelecimento de importantes rotas comerciais que, além de outras missões no exterior, impulsionaram a prosperidade e riqueza do império. A soberana foi reconhecida como grande construtora, promovendo obras monumentais como o templo mortuário de Deir el-Bahari (Djeser-Djeseru – “O Sublime dos Sublimes”), o Complexo de Karnak, o templo de Pakhet em Beni Hasan, entre outras realizações. Para assegurar o sucesso econômico, Hatshepsut promoveu uma diplomacia pacífica no exterior depois de longos anos de guerra e objetivou a estabilidade interna. Por recorrer à religião como artifício de poder, o clero foi significativamente fortalecido e correspondeu apoiando e legitimando as pretensões da faraó. Lidando com as desconfianças a seu respeito pelo fato de ser mulher, Hatshepsut se apresentava publicamente vestida com trajes masculinos, inclusive usando uma barba postiça, e nas representações artísticas ela foi mostrada com corpo de homem e rosto de mulher. Nos documentos as referências a identificavam como “Filha de Rá” ou “Sua Majestade, Ela”.

Ela governou durante duas décadas e morreu tendo por volta dos 50 anos de idade. Após sua morte, o governo coube integralmente a Tutmés III, que iniciou um esforço para suprimir a memória e o legado de Hatshepsut, ordenando a destruição de referências como registros escritos, relevos e estátuas. Além dos ressentimentos do próprio Tutmés III, que figurou sob a sombra de uma mulher faraó, o “apagamento” foi uma reação à anomalia de um governo que não foi conduzido por um homem, tentativa de impedir que na posteridade qualquer referência a uma mulher faraó servisse de meio para legitimar que o poder voltasse a ser feminino.

Mulheres influentes no centro do poder egípcio tiveram destaque exercendo o posto de Grande Rainha, a exemplo de Neithhotep e Merneith (1ª Dinastia), Ahmose-Nefertari (10ª Dinastia), Tiye, Nefertiti e Ankhesenamon (18ª Dinastia), mas a condição de faraó envolveu uma complexidade adicional por ser tradicionalmente destinada aos homens. Apesar da tentativa de anulação de sua história, Hatshepsut não foi a primeira mulher a exercer poder pleno sobre o Egito, pois antes dela Sobekneferu (13ª Dinastia), foi uma faraó que escapou da destruição de registros sobre sua vida e reinado – sendo provável que faraós femininas de dinastias anteriores tenham governado, mas os resquícios de informações sobre elas foram propositalmente destruídos. Hatshepsut tampouco foi a última mulher a ostentar o título de faraó, pois depois dela ainda existiram Tausret (da 19º Dinastia) e a famosa Cleópatra VII (da Dinastia Ptolomaica).

Entre as mulheres faraós, Hatshepsut foi possivelmente a mais poderosa, exercendo o domínio para garantir a consolidação da autonomia do Império Egípcio, proporcionando a estabilidade e a prosperidade necessárias para a continuidade de uma grandeza que ainda prevalecia ao longo de séculos.


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