Mai Bhago, a guerreira dos sikhs

(Representação visual gerada pela IA Midjourney)

Durante o predomínio do Império Mughal (séculos XVI a XVIII), a Índia abrigava variados credos religiosos como hinduísmo, islamismo, cristianismo, sikhismo, jainismo e crenças locais. Lidar com essa diversidade de religiões foi um processo complexo num império de dinastias islâmicas, havendo líderes que praticam a tolerância e outros que promoveram políticas de perseguição.

No meio da diversidade religiosa indiana surgiu o sikhismo, fundado na região do Punjab, no norte indiano, no século XV pelo Guru Nanak. A religião de base monoteísta cultua Waheguru como uma divindade complexa e sem forma, conforme com o princípio de rejeição de ícones sagrados. O sikhismo já surgiu negando a tradicional hierarquia social do sistema de castas, o que confrontava diretamente a tradição hindu. Além disso, a nova religião era composta por rituais simples e meditativos que colocavam os fiéis num contato direto com o plano divino e os seus seguidores se organizavam em comunidades igualitárias que representavam um desafio às autoridades. O poder imperial passou a se incomodar com os sikhs e medidas de repressão foram postas em prática durante os reinados dos imperadores Jahangir (1605–1627) e Aurangzeb (1658–1707). 

Atos de violência foram praticados como a execução de Arjan Dev, o quinto Guru sikh, em 1606, e a perseguição se intensificou posteriormente durante o reinado de intolerância de Aurangzeb, que pretendia impor o islamismo sobre todos os súditos do império. Após a execução do Guru Tegh Bahadur (1675), que rejeitou à conversão islâmica forçada, a resistência da comunidade de seguidores se fortaleceu e seu sucessor, Gobind Singh, formou o Khalsa, organização militar das comunidades para proporcionar uma defesa firme contra a opressão. Como uma irmandade de guerreiros que seguia os princípios de igualdade do sikhismo, o Khalsa admitia a participação de mulheres e a pioneira dessas combatentes femininas foi Mai Bhago, também conhecida como Mata Bhag Kaur, que tinha um significado poderoso. “Mata” significava “Mãe” e era atribuído como título a mulheres de relevância na sociedade, “Bhag” era um título espiritual, significando que a pessoa que o ostentava era dotada de forças divinas, e “Kaur” era o sobrenome atribuído às mulheres guerreiras e significava “Princesa”.

Nascida por volta de 1670, Mai Bhago foi logo influenciada pelos ensinamentos sikhs e pelos exemplos de devoção e sacrifícios de Gurus que deram suas vidas pelas comunidades. Disposta a se dedicar aos valores de sua fé, ela se preparou para defender o sikhismo treinando artes marciais e equitação, adquirindo habilidades para lutar em situações de necessidade. Era uma disciplinada praticante dos treinos físicos e preparação para o combate desde a adolescência e se casou com o também devoto Bhai Nidhan Singh. 

Durante os conflitos a atuação de Mai Bhago foi intensa e incansável. Ela se destacou no tenso cerco de Anandpur Sahib (1704) e enfrentou até mesmo outros sikhs desertores, assumindo o comando tático e moral de soldados pressionados pelas condições extremas do conflito. Ela guiou seus comandados em ações de guerrilha, explorando bem as condições do território e a estratégia das emboscadas surpreendentes contra grupos mais numerosos. A engenhosa comandante chegou a montar acampamentos falsos para iludir os adversários em suas abordagens que resultaram em vitória durante a Batalha de Muktsar (1705), causando consideráveis baixas e retirada dos soldados inimigos. 

Depois desse êxito, a comandante assumiu uma posição de guarda-costas pessoal do Guru Gobind Singh e permaneceu cumprindo esta missão até a morte do líder, em 1708. Depois disso, a guerreira resolveu que chegou o momento de se dedicar exclusivamente à contemplação religiosa e se estabeleceu na vila de Janwada para viver em retiro espiritual e transmitindo a sabedoria de sua fé. Ela morreu em 1720, tendo por volta dos 50 anos de idade e sua residência foi transformada em local de culto e peregrinação em sua homenagem. 

Mesmo tendo reconhecido que sua missão como guerreira havia se encerrado para poder iniciar sua atuação espiritual, Mai Bhago continuou sendo uma inspiração para a continuidade da resistência dos sikhs.  Sob a liderança de Banda Singh Bahadur, eles chegaram a estabelecer um governo independente no Punjab até 1716, mas seguiram resistindo depois disso e conquistaram a formação de um império próprio no final do século XVIII.


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