Anne Greene: Vida após a execução

(Representação visual gerada pela IA Midjouney)

A aplicação de penalidades fatais já foi uma prática muito mais disseminada e abrangente no passado do que é ainda nos dias atuais. Somente no “Bloody Code” britânico em vigor nos séculos XVII e XVIII eram previstos mais de 200 delitos condenáveis pela aplicação da pena de morte. Deste tipo de justiça não há escapatória, mas o que acontece quando a pessoa condenada sobrevive à execução? 

Um caso desafiador para o sistema penal envolveu a inglesa Anne Greene e motivou acaloradas discussões. Nascida por volta de 1628, ela era de procedência pobre e começou a trabalhar muito jovem como serviçal doméstica, o que era algo comum para moças em suas condições. Em 1650 ela estava trabalhando na residência de Sir Thomas Read, um rico proprietário de terras em Berkshire, Northamptonshire, Oxfordshire e Hertfordshire, que era cavalheiro com produtiva ficha de serviços prestados ao reino como militar durante a Guerra Civil Inglesa e aplicador da lei rigoroso, quando serviu de xerife em três condados diferentes. 

Durante o seu serviço, Anne, uma moça solteira e subordinada à família abastada para quem trabalhava, acabou sendo seduzida pelo neto do patrão e engravidou. Não chegava a ser uma ocorrência atípica num cenário no qual não faltavam casos de envolvimentos entre empregadores e serviçais com eventuais nascimentos de filhos ilegítimos que poderiam até representar situações comprometedoras. Em novembro de 1650 ela deu à luz a um natimorto e, além desta tragédia, outro drama se abateu sobre ela, que foi acusada de infanticídio e ocutação de cadáver, sendo enquadrada na rigorosa Lei para Prevenir a Destruição e Assassinato de Filhos Bastardos, de 1624. A regra legal presumia que qualquer mulher solteira que ocultasse a morte de seu filho ilegítimo era culpada de assassinato, a menos que pudesse provar, com pelo menos uma testemunha, que a criança havia nascido morta.  

No mês seguinte ocorreu o julgamento. Anne contou com o testemunho de uma parteira que confirmou que o feto, que era prematuro, não teria condições de sobreviver, além de ter em seu favor os depoimentos de outros serviçais da mansão que declararam que ela lidou com uma gravidez problemática, estando doente durante o período anterior ao parto. Apesar das testemunhas, o júri não se convenceu e a mulher foi declarada culpada, condenada à morte na forca.

A execução foi marcada para o dia 14 do mesmo mês. Foi enforcada diante de espectadores que não se incomodaram com o clima frio que dominava aquele dia. Como de costume, os corpos de pessoas executadas podiam ser destinados aos estudos médicos, e este foi o destino de Anne. Mas, enquanto estava prestes a ser dissecada na Universidade de Oxford, os médicos perceberam que ela estava inerte, desacordada, porém ainda viva. Eles apelaram para métodos usuais de reanimação, como esfregar os membros e aplicar uma infusão de tabaco.

A notícia da sobrevivência de Anne Greene se espalhou e gerou agitação, com pessoas especulando sobre a situação surpreendente. Havia quem fizesse alarde sobre a ocorrência de um milagre, intervenção divina que provava sua inocência. A interpretação religiosa do acontecimento foi difundida através da circulação de panfletos que se tornaram muito populares, contando a história de Anne e o desfecho surpreendente de seu enforcamento, levantando questões sobre justiça, ação milagrosa e também abordando as técnicas médicas utilizadas na reanimação. No decorrer de sua recuperação, Anne obteve o apoio crescente da opinião pública, causa reforçada por soldados e pessoas da comunidade médica. 

No extremo oposto figuraram os defensores da reaplicação da pena, justificando que a sobrevivência da condenada ocorreu por uma falha na execução, assim o fato de Anne estar viva apenas sinalizava que a decisão judicial não foi cumprida. Para este grupo, manter Anne Greene seria um desrespeito à lei e à instituição judicial. A articulação condenatória arrefeceu quando o principal instigador da iniciativa de realizar um novo enforcamento, e ex-patrão de Anne, morreu enquanto ela retomava seu vigor físico. 

Anne Greene foi finalmente perdoada e acabou indo morar no campo. Ela casou, teve três filhos e morreu finalmente em 1665, aos 35 anos de idade. 

Ela guardou consigo o caixão no qual seria sepultada por ocasião da execução como uma estranha recordação de seu enforcamento.


Referências: