O protesto de Lady Godiva

(Representação visual gerada pela IA Leonardo)

No Reino de Mércia, que era parte da heptarquia que originou a Inglaterra, a população penava sob as exigências feudais nos idos do século XI, mas o Conde Leofric (968-1057) não se importava com os clamores de seus governados para que reduzisse o peso dos impostos e pedágios que eram cobrados na cidade Coventry.

Surpreendentemente o povo recebeu uma aliada inusitada em favor de sua causa, quando a nobre Lady Godiva ou Godgifu (980-1066), Condessa de Mércia e esposa de Leofric, resolveu também reclamar da situação. Enquanto o povo reclamava e protestava nas ruas, Godiva incomodava o conde clamando para que ele atendesse a petição dos habitantes, então o marido lançou um desafio contando com a negação da mulher: se Godiva desfilasse nua pelas ruas de Coventry ele concordaria com a redução das cobranças.

Era certo que uma dama religiosa e recatada em sua posição social não encararia tal missão, mas Godiva estava disposta a ver a situação dos cidadãos aliviada e lançou-se ao desafio com dia e hora marcada. A população foi compreensiva e decidiu não submeter a condessa ao constrangimento de ser vista nua em espaço público, assim portas e janelas foram fechadas e as pessoas se recolheram para preservar Lady Godiva de uma situação ainda mais vexatória enquanto cumpria o desafio em favor dos moradores.

A bela Godiva fez seu desfile nua sobre um cavalo sem testemunhas, exceto um certo abelhudo conhecido como Peeping Tom, que foi cego depois da desfeita. Leofric cumpriu sua palavra e a condessa virou heroína de Coventry. Mesmo muito depois da morte da Lady Godiva, as histórias a seu respeito permaneceram vívidas através de crônicas a partir do final do século XIII e repetidas ao longo dos tempos.

Segundo a tradição em torno da narrativa, em seu ato Lady Godiva ressaltou valores como sacrifício, coragem e a disposição para lutar contra as injustiças. Ela desafiou as normas sociais e a autoridade do marido em nome de uma causa nobre. Ao mesmo tempo, a punição ao insistente curioso Peeping Tom destacou o respeito mútuo do povo em relação ao gesto da senhora, uma reciprocidade que, segundo versões, foi executada pelo próprio povo que cegou o desobediente ou por um ato sobrenatural que fez o insolente perder a visão por desrespeitar a pureza e o desprendimento abençoado da senhora. 

O feito da condessa tem sua ocorrência real contestada, sendo reconhecido como uma lenda. Além da falta de evidências, a origem tardia da narrativa, registrada pela primeira vez pelo cronista Roger de Wendover no século XIII, notável por ornamentar suas histórias com elementos maravilhosos e fantásticos, pode ser mais um reforço à noção de que Lady Godiva nunca desfilou nua pelo bem-estar do povo. Outras análises ainda levam em conta o fundo moral da história e a presença de elementos do paganismo e do cristianismo como indícios de que se trata de uma narrativa ficcional popularizada com o intuito de promover ensinamentos morais sobre sacrifício, desprendimento e redenção.

Real ou lendária, a história de Lady Godiva com sua dramaticidade e simbolismo sobreviveu através da repetição da narrativa, da celebração através de representações artísticas e de festividades na cultura popular.


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